domingo, 12 de fevereiro de 2017

Carta aberta de Toni Reis* à Taty Lozano

Carta aberta de Toni Reis* à Taty Lozano: a senhora deu a luz. Depois matou e queimou o filho. Isto tem uma palavra – ódio.
Família é para amar, proteger, cuidar, educar, dar limites. Aprendi com a minha querida e amada  mãe desde a tenra idade que o amor de mãe é o mais puro, profundo e incondicional. E durante a vida ela me provou isso. Quando aos 14 anos pedi ajuda a ela sobre minha homossexualidade, falei por ignorância “sou pecador, sou doente, sou fora da norma”, felizmente ela não me matou e nem me queimou. Ela não me julgou. Ela falou “se você acha que é isso, vamos procurar ajuda”. Já aos 27 anos, ela de forma categórica falou “filho, se é isso que você quer, se é isso que te faz feliz, vou perder minha aposentadoria e me caso com o David”. Ela se propôs a fazer isso para que o meu marido David, que é estrangeiro, pudesse permanecer no Brasil comigo. Na época, para ficar no Brasil, ele teria que casar com uma brasileira, porque ainda não se reconhecia a união estável homoafetiva para fins de concessão de visto permanente. Hoje eu e David temos três filhos, dois meninos de 16 e 11 anos e uma menina de 13. E por sermos pais, o caso do seu filho nos chocou ainda mais.
Seu filho adolescente Itaberly foi barbaramente esfaqueado e  morto  no dia 29 de dezembro de 2016, e achado com o corpo carbonizado no dia 07 de janeiro de 2017. Foi um crime bárbaro, desumano, pavoroso, monstruoso e horrendo. Eu poderia colocar muitos outros adjetivos, mas quem deve julgar é a justiça. A verdade está nas evidências e provas. Pelas notícias lidas, a senhora assassinou o próprio filho, com a ajuda de mais três pessoas. Não quero o mesmo para a senhora, embora no momento de forte emoção, pensei... Fiquei deveras abalado. Chorei e tive momentos de indignação profunda. Agora, semanas depois, com a notícia de que você teve a prisão preventiva decretada e que foi indiciada por homicídio e ocultação de cadáver, estou conseguindo recuperar minha racionalidade.
A vida de um adolescente de 17 anos foi sacrificada. Vi no Facebook dele https://www.facebook.com/itaberlly.ferreira, um post do dia 23/12 dizendo “Família em primeiro lugar. É o que há.”   Como toda família, pode haver divergências, discussões e até brigas, mas o que aconteceu com o adolescente é inaceitável e injustificável.
No seu Facebook https://www.facebook.com/thaty.morena.142, percebo que você é uma mãe religiosa, pois há várias citações da Bíblia, uma que você postou logo depois do assassinato “Porque Eu, o Senhor, teu Deus, te tomo pela tua mão direita e te digo; não temas, que Eu te ajudo. Is. 41:13.” .No dia do desaparecimento do seu filho, você postou a cantora gospel Aline Barros, cantando “Ressuscita-me.” E no dia 18 de dezembro, você postou “Meu advogado é o meu Senhor, Ele me defende do acusador. Minha causa entreguei em suas mãos. Posso descansar o meu coração.”
Isto prova, Taty, que você é uma pessoa religiosa, temente a Deus, e que crê na palavra. Você, como eu, cristãos, sabemos dos mandamentos da lei de Deus, em especial dois deles, “amar ao próximo como a ti mesmo”, e o quinto mandamento que diz “Não matarás”. O  que  aconteceu com  você ?  Perdeu esta página? 
O que aconteceu com Itaberly?  O adolescente assassinado já tinha registrado na delegacia queixa de homofobia por parte da família, inclusive com ameaças de morte. Foi assassinado a facadas, queimado e achado depois de 10 dias. Quanta crueldade. Quanto desamor. Quanta desumanidade. A tua defesa foi de que ele usava drogas. Será que é isso o tratamento que ele merecia?  Pelo que consta, outros familiares pensam ao  contrário e dizem que era um menino trabalhador, dedicado, estudioso e desmentiram o uso de drogas.
Foi um crime chocante e cruel. Todo assassinato é inaceitável, mas quando a mãe é a assassina, torna-se inconcebível.  Espero que você reflita sobre o que praticou, arrependa-se e que os “religiosos” repensem sobre a doutrinação que estão fazendo em relação à comunidade LGBTI. Esses “religiosos” não mataram seu filho, mas afiaram a faca do seu raciocínio manipulável e fraco ao ponto de levar à morte dele.
Não me interessa nenhuma religião cujos princípios não melhorem a vida humana e a convivência das pessoas. Que você pague pela lei divina e pela legislação brasileira pelo crime que cometeu.

*Toni Reis
Casado há 27 anos  com  David  Harrad  e  pai  de  três  filhos.
Pós-doutor em Educação
Membro Titular do Fórum Nacional, Estadual (Paraná) e Municipal (Curitiba) de Educação
Diretor-presidente  da  Aliança Nacional LGBTI
Secretário de Educação da ABGLT
Diretor de Relações Internacionais UNALGBT
Comitê Executivo da Rede Gaylatino
Diretor Executivo - Grupo Dignidade/CEPAC/IBDSEX/EPAD

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Entrevista


http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/08/uma-questao-de-respeito.html

Toni escreveu

Em 17/08/2016 22:50, "Toni Reis" <tonireisctba@gmail.com> escreveu:

“Saímos do armário e por isso os conservadores nos atacam”

Toni Reis: “Saímos do armário e por isso os conservadores nos atacam”


  
Ao Portal VermelhoToni Reis comenta os desafios e avanços na luta por igualdade de direitos. Ele, que também participou da fundação da União Nacional LGBT (UNA-LGBT), avalia ser necessário olhar os avanços em um contexto histórico de perseguição aos direitos básicos.

“A primeira inclusão é a saída da população LGBT do armário, estamos em campo, por isso esse ataque. Se não tivéssemos assumido a causa, não estaríamos sendo atacados dessa forma. A imagem do fundamentalismo religioso e da direita raivosa é reflexo de conquistas sociais. Não tínhamos nem uma parada LGBT em 1995 e hoje são 200. Eram cinco ONGs que se multiplicaram para 450, além dos 70 grupos universitários que estudam a questão LGBT. Temos produção, discussão, 17 partidos políticos com núcleos LGBTs. Na Idade Média éramos queimados na fogueira e, até 1990, tratados como doentes. Nesse contexto, há avanços históricos”, afirma.


Toni Reis, seu companheiro David Harrad com quem é casado há 28 anos, e os três filhos de 11, 7 e 4 anos

“Temer tem alianças com Bolsonaro”

Ele considera que o golpe de Estado, orquestrado por setores da direita, será nocivo à população LGBT. “O grupo responsável pelo impeachment, liderado pelo presidente interino Michel Temer, reuniu-se com o pastor Malafaia, com a frente fundamentalista. Existem acordos subterrâneos para sancionar o Estatuto da Família, configurando um grande retrocesso. No governo da presidenta Dilma Rousseff, mesmo com parcerias com setores conservadores, a equipe dela era mais aberta ao diálogo e aos avanços”, considera Toni.

À respeito dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, Toni avalia que o mais nocivo aos direitos LGBT, se configura no Estatuto da Família, pois pretende definir como heterossexual a única forma válida de união. “Não queremos uma família patriarcal e machista, mas sim que respeita os negros, as mulheres. As pessoas precisam viver bem e com quem elas amam. Querem fazer famílias hipócritas? A vida é para ser vivida, isso não é um teatro”, enfatiza.

“Ideologia de gênero não é a degradação da família” 

Toni denuncia a propaganda da “ideologia de gênero” veiculada por grupos religiosos e partidos conservadores, afirmando que o debate sobre gênero nas escolas não é a indução à pedofilia e a sexualização precoce, como esses grupos reproduzem. “Eu não conheço nenhum gay, nenhuma lésbica que bate na casa das pessoas com um livro debaixo do braço, pregando ideologia de gênero e destruindo famílias, isso não existe. O que nós queremos é equidade, justiça e igualdade de direitos, há inclusive um consenso com os setores educacionais neste sentido.”

“É preciso parar de pregar para convertidos” 

Quando questionado sobre os mecanismos de enfrentamento à LGBTfobia, Toni disse ser necessária a amplitude para a conscientização. “É preciso parar de pregar para convertidos, vamos dialogar com todos os setores, nas universidades, com os partidos abertos ao debate e mostrar quais são as nossas pautas, abrindo o nosso leque de aliados. O movimento LGBT é muito representativo nas grandes capitais, precisamos aumentar a participação nas pequenas cidades, aumentando a nossa inserção”, concluiu. 

Ouça a íntegra da entrevista com Toni Reis: 
 

"Queremos direitos garantidos na Constituição Federal”


"Queremos direitos garantidos na Constituição Federal”
Toni Reis – Diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI

  
Toni Reis
Toni Reis é graduado em Letras pela Universidade Federal do Paraná, além de ser especialista em Sexualidade Humana pela Universidade Tuiuti também no Paraná, tendo formação em Dinâmica dos Grupos pela Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos. É Mestre de Filosofia na área de Ética e Sexualidade pela Universidade Gama Filho e Doutor em Educação pela Universidad de La Empresa (Montevidéu). Sua tese de doutorado é sobre homofobia nas escolas. Atualmente exerce o cargo de Secretário de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT, e é Diretor-Executivo do Grupo Dignidade e do Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual. É casado com o britânico David Harrad há 26 anos, sendo pai de Alyson, Jéssica e Felipe. Toni Reis tem um forte sentimento de busca pela justiça, e tem se dedicado à luta pela igualdade e pela cidadania plena de todos e todas, ganhando reconhecimento local, nacional e internacional como defensor dos Direitos Humanos e de uma educação de qualidade e emancipadora. Hoje Toni Reis é Diretor-presidente da Aliança Nacional LGBTI. “A academia está despertando para os Direitos Humanos e a cidadania. Hoje há 207 grupos acadêmicos discutindo Direitos Humanos, dos quais 78 incluem a discussão da diversidade sexual. Isto é bom”, afirma o ativista.

Toni, em que momento de sua vida você considera ter formado a consciência ativista que tem hoje?
Nasci e me criei no interior do estado do Paraná. Eu sofri muito dos 14 aos 21 anos. Tive homofobia internalizada muito grande, pela pressão da minha família, da minha religião, na minha escola, também pela minha ignorância. Eu mesmo procurei ajuda da família, procurei várias formas de me “curar” (medicina, religião, simpatias e tudo mais). Tive a possibilidade de vir morar em Curitiba. Formei-me em Letras pela Universidade Federal do Paraná, participei do movimento estudantil, de partido político. Tive contato com militantes LGBTI desde 1984, como o Professor Doutor Luiz Mott e o Dr. João Antonio Mascarenhas, entre outros, que me ensinaram muito. Tive a possibilidade de morar na Europa por quatro anos onde conheci o movimento LGBTI de lá, que na época estava bem mais avançado. Com as leituras e vivências fora da minha cultura me despertei para minha autonomia e para minha cidadania e criei a consciência de que quem não luta por direitos não os terá, infelizmente…

Você se formou e mudou-se para a Europa, morando em países como Espanha, França, Itália e Inglaterra. Como enxerga os Direitos Humanos nesses países, se compararmos com o Brasil?
Hoje tenho orgulho de ver que o Brasil tem evoluído muito. Claro tenho a consciência que precisamos melhorar ainda mais, principalmente no Legislativo. O Judiciário brasileiro é o maior orgulho, pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) quanto à união estável/casamento homoafetivo, que foi unânime em comparação com outros países. No Executivo tivemos avanços consideráveis. Precisamos de muito mais. Precisamos sempre estar fazendo o advocacy (incidência política) para a construção da nossa cidadania plena. Ainda não somos um país como Malta (o país do mundo que mais têm direitos iguais para a população LGBTI), mas também não somos um Irã. Vejo que alcançamos uns 60% dos nossos Direitos Humanos. Há pessoas aliadas, adversárias e não mobilizadas em todos os Governos. Precisamos de mais organização e profissionalização. Infelizmente nossos adversários estão muito organizados e dominam certas instituições.

Também sabemos que é um filósofo. Como acredita que a Filosofia pode ajudar a combater ou pelo menos conscientizar, os desmandos que acontecem contra àqueles que não têm uma voz ativa em nossa sociedade?
Tenho mestrado em Filosofia. Discuti na minha dissertação sobre ética e sexualidade. Aprendi muito com a Filosofia. A questão da lógica. Igualdade é para todos e todos sem exceção. Também gosto muito da dialética. Num debate na maioria das vezes temos uma tese e poderá haver uma antítese. Por isto é preciso o respeito para chegar a uma síntese. Gosto de conviver com pessoas que pensam diferentes, desde que me respeitem. Não precisam aceitar minhas opiniões. Peço apenas respeito.

Acredita que a academia, trata a causa LGBTI como algo menor?
A academia está despertando para os Direitos Humanos e a cidadania. Hoje há 207 grupos acadêmicos discutindo Direitos Humanos, dos quais 78 incluem a discussão da diversidade sexual. Isto é bom. A academia é o lócus para contrapor posições estigmatizantes e preconceituosas e colocar luz na discussão. Sou um entusiasta do Pacto Nacional Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade e da Cultura de Paz e Direitos Humanos. Um programa do Governo atual. Precisamos discutir sempre com respeito. E a academia tem o papel de questionar. Tenho participado mensalmente em bancas, seminários e eventos na academia. Gosto muito e incentivo. A academia pode trazer o fundamentalismo para a luz do saber.

E o tratamento dado pelo Governo, falha em que sentidos quando trata da causa LGBTI?
Nenhum Governo desde 1986 foi unânime sobre as questões LGBTI. Desde quando comecei até o momento atual, temos boas pessoas aliadas, temos adversários e a grande maioria é não mobilizada (que fazem à egípcia) quando se discute os nossos direitos LGBTI, por medo, insegurança ou por preconceito mesmo. Temos que ter diálogo com todas as pessoas em posições de poder. Eu só não conversaria com pessoas nazistas abertamente. Com fundamentalistas e conservadores, dialogar é fundamental e sempre há possibilidade de mudança.

Existe muita distorção dos objetivos da causa LGBTI nos grandes meios de comunicação?
Os meios de comunicação, em geral, são reflexos da sociedade. Os preconceitos e as discriminações são reflexos do que existem na sociedade. Cabe ao Movimento LGBTI contestar e procurar as instituições para melhorar, corrigir, capacitar e denunciar. Já melhorou muito. Porém alguns programas religiosos, policiais e humorísticos continuam pregando o estereótipo, quer dizer, a imagem preconcebida de determinada pessoa, coisa ou situação. Os estereótipos são usados principalmente para definir e limitar pessoas ou grupo de pessoas na sociedade. Sua aceitação é ampla e culturalmente difundida no Ocidente, sendo um grande motivador de preconceito e discriminação.
Diversidade nas Escolas
Luta: O ativista Toni Reis fala sobre diversidade nas escolas (Foto: Agência FIEP)

Quem você acredita serem os grandes inimigos da causa LGBTI em nossa sociedade e por que tem a percepção que isso ocorre?
Na história há alguns ciclos: na Idade Média éramos queimados na fogueira pela Santa Madre Igreja, que achavam que ser LGBTI era um pecado mortal. Depois para não morrer nas fogueiras, fomos tratados como fora das normas e da lei e fomos encarcerados. No mundo ainda há 76 países que criminalizam a homossexualidade. Depois, para tirar as pessoas das cadeias, fomos tratados como doentes até dia 17 maio de 1990 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) tirou a homossexualidade da Classificação Internacional das Doenças, código 302.0, que definia a homossexualidade como doença. Hoje infelizmente tem um povo que ainda está na Idade Média, outros na Idade Moderna e outros ainda nos tratam como doentes. Precisamos mudar isto que é cultural. Estas pessoas aprenderam a pensar assim. Precisam entender que todos nós temos uma orientação sexual e uma identidade de gênero e que não podemos nos enquadrar nesta cultura patriarcal, machista e heteronormativa. Resumindo, os maiores adversários são as pessoas fundamentalistas e pessoas heteronormativas que julgam que existe somente uma forma de viver o amor e a felicidade.

Quais os principais cuidados que um ativista da causa LGBTI deve ter, para não se tornar maior do que a causa que defende?
Creio que a humildade deve ser uma tônica, estudar… Temos que nos atualizar. O Movimento LGBTI mudou muito desde 1969 quando teve início na Rebelião de Stonewall [foi uma série de violentas manifestações espontâneas de membros da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia de Nova York que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro de Greenwich Village, em Manhattan, em Nova York, nos Estados Unidos. Esses motins são amplamente considerados como o evento mais importante que levou ao movimento moderno de libertação gay e à luta pelos direitos LGBT no país]. Respeitar todas as formas de organização e posicionamentos ideológicos. Há pessoas em partidos políticos, outras não. Há pessoas que são anarquistas, ateus, religiosos, agnósticos e, enfim, devemos nos respeitar. Temos que ter planejamentos e análises coletivas, assim como ações concretas. Retóricas não mudam realidades. É preciso ter perseverança e determinação. As mudanças levam meses, anos e décadas, talvez uma geração. Como dizia Paulo Freire, temos que ter paciência histórica. O que eu pensava que mudaria em um ano mudou somente depois de 30 anos. Não podemos ser imediatistas e donos da verdade. Temos que escutar as pessoas e saber divergir com respeito. Ninguém é dono da verdade. Ela é relativa segundo as experiências e vivências de cada um.

Como você acredita que as políticas públicas para a comunidade LGBTI sairão do papel para uma ação concreta?
Muitas políticas já saíram do papel. Hoje podemos casar e adotar. Já se respeita o nome social em 83 Universidades Públicas e em algumas particulares. Precisamos saber denunciar os pontos fora da curva, que infelizmente ainda são muitos. E com tomadores (as) de decisões (com gestores (as) municipais, estaduais, distritais, nacionais e internacionais) temos que levar os problemas com evidências, pesquisas, dados e pelo menos duas soluções factíveis. Precisamos de organização, exercer o direito de fazer advocacy (incidência política) e accountability (responsabilização) das políticas convencionadas.

Ignorância, preconceito ou falta de amor, o que considera ter sido os fatores preponderantes, para o assassinato do jovem Itarbelly Lorenzo pela própria mãe?
assassinato de Itarbelly Lorenzo foi uma somatória de desumanidade – ninguém merece morrer (isto foi uma selvageria) -; fundamentalismo religioso; falta de amor. Foi um dos piores crimes que eu já vi. Fiquei dois dias muito chocado.

Qual o maior equívoco que as pessoas cometem quando analisam a sua luta pelos Direitos da comunidade LGBTI em nosso país?
Achar que queremos destruir a família tradicional e que queremos privilégios. Primeiro o que existe são vários tipos de famílias não uma só. E o que queremos são direitos garantidos na Constituição Federal e nas convenções internacionais. Queremos direitos iguais, nem menos, nem mais. Queremos ser felizes, como qualquer outro ser humano.
fonte   http://www.panoramamercantil.com.br/queremos-direitos-garantidos-na-constituicao-federal-toni-reis-diretor-presidente-da-alianca-nacional-lgbti/

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Uma questão de respeito

Respeitar significa não impor determinada visão de mundo em preferência a outra, e sim dar margem para que as diversas visões possam coexistir pacificamente

Toni Reis, O Globo
Respeito se aprende em todos os lugares, na família, na escola, na sociedade. E preconceito também. Como bem disse Nelson Mandela, “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou por sua origem ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.”
A mídia é um reflexo da sociedade em que vivemos. Porém, além de retratar e reproduzir o que ocorre na sociedade, também desempenha um papel educador, fazendo a difusão de informações e conhecimentos que, caso contrário, não estariam ao alcance de muitas pessoas. É um papel ao mesmo tempo muito forte e também muito delicado. Forte porque tem o poder de atingir as pessoas em massa e influenciar suas opiniões. Delicado porque, sem o devido cuidado e a devida ética, em vez de educar, pode manipular e colocar segmentos da sociedade em posições antagônicas, promovendo discórdia e tensões sociais.
Ao tratar de temas considerados por alguns como polêmicos ou até tabus, a mídia, quando utilizada de forma ética, pode contribuir para elucidar, desmistificar e promover a compreensão do “diferente”, incentivar a reflexão e dar subsídios para o respeito àquilo que antes talvez tenha sido objeto de desprezo e preconceito. Este é fruto da ignorância e do desconhecimento, da falta da capacidade de analisar criticamente as crenças, as opiniões e as informações que nos cercam e que podem formar o “senso comum” capaz de levar à marginalização determinados grupos na sociedade.
Respeitar é diferente de aceitar. Também é diferente de tolerar, no sentido de suportar com condescendência. Não é necessário aceitar aquilo que difere das nossas convicções pessoais. Mas respeitá-lo significa reconhecer que existem diferenças entre as pessoas, e nem por isso necessariamente umas têm mais valia que outras. Significa conviver harmonicamente em uma sociedade indubitavelmente plural, diversa e heterogênea. Significa não impor determinada visão de mundo em preferência a outra, e sim dar margem para que as diversas visões de mundo possam coexistir pacificamente.
Um exemplo da abordagem pelos meios de comunicação de assuntos às vezes considerados polêmicos são as cenas de afeto entre as pessoas nas telenovelas. O primeiro beijo heterossexual nas novelas brasileiras aconteceu em 1952 e provocou um rebuliço. Hoje, quando retratado com sensatez, é visto como um acontecimento natural. Não choca mais, não porque banalizou, mas porque as atitudes predominantes se tornaram mais permissivas.
O primeiro beijo “gay” numa novela da Rede Globo ocorreu entre os personagens Félix e Niko da novela “Amor à vida”, em 2014 — 62 anos depois do primeiro beijo hétero em “Sua vida me pertence”. Também provocou um impacto. Além disso, refletiu que, apesar de lentamente, vem ocorrendo o reconhecimento e a maior visibilidade dos relacionamentos homoafetivos na sociedade brasileira, “com ou sem permissão”, para parafrasear o poeta uruguaio Mario Benedetti.
A Rede Globo é uma das maiores produtoras de entretenimento do mundo e tem contribuído em suas novelas e outros programas para a promoção da dignidade humana. E sempre tem escutado as demandas da sociedade em relação ao respeito aos direitos humanos. Progressivamente, nas últimas duas décadas tem abordado, noticiado e retratado com respeito as vivências de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).
O ápice da teledramaturgia global neste sentido ocorreu na novela “Liberdade, liberdade”. Houve a primeira cena de uma relação sexual entre pessoas do mesmo sexo, em horário apropriado, com a maior sensibilidade, discrição e com toda a liberdade de criação dos autores. Pôde demonstrar que esta situação existe desde que o mundo é mundo, inclusive nos anos coloniais do Brasil. Em tempos de intolerância, terrorismo, estupros coletivos... uma cena de amor ainda pode chocar, mas é necessária. “Liberdade, liberdade” fez história e vai deixar saudade.
Contemplar a sociedade na tela é uma forma de educar de maneira subliminar para o respeito. Contribui para o que a ONU tem denominado “cultura da paz”, definida como “trabalhar de forma integrada a favor da construção de uma sociedade pautada nos valores de justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação do racismo, tolerância religiosa, respeito às minorias, educação universal, equilíbrio ecológico e liberdade política.”
Como gay casado há 26 anos com meu marido, que tem lutado a duras penas no Judiciário para conseguir o cumprimento do respeito à igualdade de direitos, como o reconhecimento da nossa união e a adoção dos nossos três filhos lindos, congratulo a Rede Globo pela sua iniciativa e seu desempenho em promover o respeito a todas e todos, inclusive as pessoas LGBT.
Coexistir (Foto: .coexistence.art.museum)
Toni Reis é secretário de educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Reportagem da Revista CULT deste Mês Famílias, o plural da questão - As novas configurações familiares

Toni e David na companhia dos  filhos  de Alyson, Jéssica e Filipe

O brasileiro Toni Reis, 51 anos, conheceu o inglês David Harrad, 57, na Inglaterra, em 1990, e eles iniciaram um namoro. Em 1991, decidiram mudar-se para Curitiba. “Na época, não havia reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, então David não podia ter um visto de permanência com base na ‘reunião familiar’, como acontecia para casais binacionais heterossexuais”, conta Toni. David permaneceu irregular no Brasil, foi autuado em 1996 com ameaça de expulsão do país, e só veio a conseguir o visto permanente em 2005. Nesse ano começou uma nova luta: adotar como casal o primeiro filho. “Se adotássemos separados, como solteiros, e um de nós viesse a falecer, o outro não teria o direito da guarda da criança.” Foram três anos até conseguirem a permissão da adoção conjunta, mas com a condição imposta pelo juiz de que a criança tivesse mais de dez anos e que fosse menina. “Achamos que a decisão foi discriminatória e recorremos. Na segunda instância, ganhamos por unanimidade o direito de adotar conjuntamente sem qualquer restrição”, conta Toni. “No entanto, um promotor do Ministério Público recorreu e levou o caso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, alegando que casais do mesmo sexo não formam uma família. O STF rejeitou o recurso, mas o STJ só proferiu sua decisão em 2014, retirando a possibilidade de adotarmos na nossa comarca. Uma demora judicial um tanto cruel. O promotor recorreu novamente da decisão do STJ e a ministra Carmem Lúcia decidiu a nosso favor em março de 2015, dez anos após o início do processo de adoção.”

A primeira adoção, iniciada em 2011 com Alysson, 11 anos, não foi fácil. O menino havia fugido de sete abrigos e sido rejeitado pela mãe todas as vezes em que tentou voltar para casa. Quando o casal conheceu Alysson, o garoto estava há um ano na casa de uma família de testemunhas de Jeová, que tentou influenciá-lo a rejeitar a adoção. Toni conta que Alyson chegou a declarar: “Sabiam que eu tenho nojo de homossexuais?” no dia em que foram fazer uma nova carteira de identidade para o filho. Depois de vários encontros e grupos de ajuda, Alyson superou o preconceito e hoje a família tem mais dois filhos, os irmãos Jéssica, 12 anos, e Felipe, 8 anos.

Famílias, o plural da questão

As novas configurações familiares brasileiras exigem leis e discussões sobre identidade, afeto e núcleo familiar
site_cult 2116

por Laís Modelli
A decisão é recente: o Brasil permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo desde maio de 2013. Na data, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução n. 175, que obriga os cartórios brasileiros a converterem união estável homoafetiva em casamento. Somente naquele ano, o país registrou 3,7 mil matrimônios entre pessoas do mesmo sexo, segundo dados do IBGE de dezembro de 2014. São Paulo foi o estado com maior número de registros, com 1945 casamentos (897 uniões entre homens e 1.048 entre mulheres), enquanto o Acre foi o único estado a não celebrar nenhum registro no ano.
Apenas 22 países no mundo permitem o matrimônio homoafetivo e reconhecem os direitos dos parceiros homossexuais, como a licença-maternidade, a adoção de filhos, a herança e o divórcio. A Holanda foi o primeiro país a garantir tais direitos, aprovados em dezembro de 2000. Na ordem cronológica de aprovação, fazem parte da restrita lista: Bélgica (2003), Espanha (2005), Canadá (2005), África do Sul (2006), Noruega (2009), Suécia (2009), Portugal (2010), Argentina (2010), Islândia (2010), Dinamarca (2012), Brasil (2013), Uruguai (2013), Nova Zelândia (2013), França (2013), Inglaterra (2014), País de Gales (2014), Escócia (2014), Luxemburgo (2014), Finlândia (2015), Irlanda (2015) e Estados Unidos (2015).
Segundo o deputado federal Jean Wyllys, autor de projetos voltados para o público LGBT, a experiência argentina deve ser seguida no Brasil. “A Argentina é o país com a legislação mais avançada do mundo em matéria de direitos da população LGBT. A campanha pelo casamento civil igualitário, aprovado em 2010, promoveu um intenso e frutífero debate nacional sobre os direitos LGBT. Depois do casamento, outras leis foram aprovadas, como a de identidade de gênero, e diversas políticas públicas foram implantadas. Houve uma mudança enorme na percepção da sociedade argentina sobre a diversidade sexual”, explica Wyllys.
Ainda que o Brasil garanta o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a juíza aposentada Maria Berenice Dias explica que o país não assegura o direito por força de lei, mas somente por decisão da Justiça. “Por não existir essa lei, ainda há espaço para que iniciativas como o Estatuto da Família ganhem espaço”, explica Berenice. Proposto pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, o Estatuto da Família é um projeto de lei, em tramitação, que tenta definir o que pode ser considerado uma família – excluindo, entre outras configurações, a união entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com a ala progressista de juristas brasileiros, o Estatuto da Família não tem sentido de existir, uma vez que ser homossexual não é ilegal no país. “A Justiça avançou graças ao poder judiciário e assegurou o direito de casamento entre pessoas de mesmo sexo, mas o Estatuto da Família foi uma manobra para tentar excluir esses direitos que já estão assegurados. Nosso Legislativo, conservador e preconceituoso por ordem religiosa, planta posições extremamente reacionárias”, afirma a jurista.
Para Jean Wyllys, os parlamentares que apoiam o Estatuto da Família sabem que ele não pode ser aprovado. “A única finalidade desse projeto, do ponto de vista legal, é retirar direitos de uma parcela da população. É como se um deputado apresentasse uma lei para que os negros deixassem de ter algum direito que atualmente têm, ou os judeus, ou as mulheres etc. É, na verdade, um Estatuto Contra Uma Parte Das Famílias, e que nada traz de bom para as demais famílias. É perverso. A finalidade política do projeto – e os deputados sabem que não vão conseguir aprová-lo – é usá-lo como propaganda para promover o ódio e a violência”, afirma.
Além da resolução de 2013, o Conselho Nacional de Justiça já havia avançado na questão das famílias homoafetivas em 2009, quando mudou o padrão da certidão de nascimento do tradicional “pai e mãe” para o termo “filiação”.
Making of do ensaio fotográfico de Simone Rodrigues para o livro Nomes do amor / Foto:b Simone Rodrigues
Making of do ensaio fotográfico de Simone Rodrigues para o livro Nomes do amor / Foto: Simone Rodrigues
A homoafetividade antes dos anos 2000
Berenice, a primeira mulher juíza do Rio Grande do Sul, foi responsável pela decisão pioneira no Brasil de reconhecer, em 2001, um casal de homens como uma família. “Eles viveram juntos por 27 anos, até que um deles faleceu. Ele tinha patrimônios adquiridos antes do começo da união, o que não dava para reconhecer como uma sociedade entre os dois”, explica. “A discussão era: se eles fossem reconhecidos como casal, haveria um herdeiro; caso contrário, o parceiro não teria direito a nada e todo o patrimônio iria para o município. O caso se tornou chocante ao demonstrar que aquele homem, que tinha acompanhado seu parceiro a vida inteira, de repente ficaria até sem casa para morar porque eles não eram reconhecidos como família.” A decisão de Berenice, junto a seus colegas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, considerou que família é determinada pela relação de afeto e não pelo gênero dos parceiros. A partir do caso, a juíza conseguiu mudar o termo de “homossexualidade” para “homoafetividade”. “A troca foi importante por esclarecer que os relacionamentos não devem ser da ordem da sexualidade, e sim da ordem da afetividade”, explica.
O brasileiro Toni Reis, 51 anos, conheceu o inglês David Harrad, 57, na Inglaterra, em 1990, e eles iniciaram um namoro. Em 1991, decidiram mudar-se para Curitiba. “Na época, não havia reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, então David não podia ter um visto de permanência com base na ‘reunião familiar’, como acontecia para casais binacionais heterossexuais”, conta Toni. David permaneceu irregular no Brasil, foi autuado em 1996 com ameaça de expulsão do país, e só veio a conseguir o visto permanente em 2005. Nesse ano começou uma nova luta: adotar como casal o primeiro filho. “Se adotássemos separados, como solteiros, e um de nós viesse a falecer, o outro não teria o direito da guarda da criança.” Foram três anos até conseguirem a permissão da adoção conjunta, mas com a condição imposta pelo juiz de que a criança tivesse mais de dez anos e que fosse menina. “Achamos que a decisão foi discriminatória e recorremos. Na segunda instância, ganhamos por unanimidade o direito de adotar conjuntamente sem qualquer restrição”, conta Toni. “No entanto, um promotor do Ministério Público recorreu e levou o caso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, alegando que casais do mesmo sexo não formam uma família. O STF rejeitou o recurso, mas o STJ só proferiu sua decisão em 2014, retirando a possibilidade de adotarmos na nossa comarca. Uma demora judicial um tanto cruel. O promotor recorreu novamente da decisão do STJ e a ministra Carmem Lúcia decidiu a nosso favor em março de 2015, dez anos após o início do processo de adoção.”
A primeira adoção, iniciada em 2011 com Alysson, 11 anos, não foi fácil. O menino havia fugido de sete abrigos e sido rejeitado pela mãe todas as vezes em que tentou voltar para casa. Quando o casal conheceu Alysson, o garoto estava há um ano na casa de uma família de testemunhas de Jeová, que tentou influenciá-lo a rejeitar a adoção. Toni conta que Alyson chegou a declarar: “Sabiam que eu tenho nojo de homossexuais?” no dia em que foram fazer uma nova carteira de identidade para o filho. Depois de vários encontros e grupos de ajuda, Alyson superou o preconceito e hoje a família tem mais dois filhos, os irmãos Jéssica, 12 anos, e Felipe, 8 anos.
Em família, Weykman e Rogério / Foto: Simone Rodrigues
Em família, Weykman e Rogério / Foto: Simone Rodrigues
As novas configurações familiares
Quando a auxiliar de produção Eva, 45 anos, e a advogada Dalia, 45, se conheceram, em 1989, o Brasil acabava de aprovar a Constituição de 1988, que define família como o resultado da união entre um homem e uma mulher ou um dos pais e seus filhos. O relacionamento entre as duas se concretizou somente em 1995, mas nada havia mudado no Brasil sobre a questão homoafetiva. O apoio da família e dos amigos, contudo, encorajou o casal a prosseguir e, em 2009, a adotar a primeira filha, Daisa. Com cinco anos na época, a menina havia sido devolvida ao orfanato por diversos outros casais. “Eles queriam alguém com paciência para não devolvê-la”, conta Dalia. Um ano depois, adotaram a segunda filha, Thamara, com 12 anos na época. Em 2013, ano da Resolução n.175, Dalia e Eva decidiram se casar. Naquele momento, o casal relata ter sentido, pela primeira vez, discriminação: o juiz negou o pedido de casamento, e Dalia e Eva entraram com um mandato de segurança. Juntas há 18 anos, tiveram que esperar mais um ano para conseguirem a permissão para casar. Conquistado o direito, tornaram-se o primeiro casal homoafetivo a casar no civil e na igreja em um mesmo ato. “Somos e sempre seremos uma família, e devem nos respeitar por isto”, afirma Dalia. O casal agora se prepara para adotar dois sobrinhos que ficaram órfãos recentemente.
O auditor fiscal Rogério Koscheck, 52 anos, e o contador Weykman Padinho, 39 anos, iniciaram o relacionamento em 2006. Oficializaram a união estável em 2013 e se casarão em breve. Desde o início, ambos tinham vontade de serem pais. “Envolvimento com outras pessoas, reprodução assistida, barriga de aluguel, adoção à brasileira, ou quaisquer outras formas de paternidade que não fosse a adoção, não eram opção”, conta Rogério. Em janeiro de 2013, o casal iniciou o processo de adoção. Um ano depois, foram indicados quatro irmãos, em Brasília. No entanto, um outro casal, já habilitado, teve a preferência legal na adoção. Um mês depois, apareceram mais quatro irmãos, dessa vez no Rio de Janeiro, com idades entre dois meses e 11 anos. Filhos da mesma mãe, todas as crianças haviam sido expostas ao vírus do HIV e passavam ou já haviam passado por tratamento. Sem preconceitos, Rogério e Weykman iniciaram a adoção em junho de 2014. O processo foi finalizado somente no começo de 2016 e hoje todas as crianças negativaram o HIV. O casal conta ter percebido que, desde que a família aumentou, vez ou outra existem olhares de surpresa quando estão em lugares públicos. “Estava na padaria do bairro em que morávamos, com minha filha mais velha. Ao indicá-la como minha filha, a atendente olhou-a de cima a baixo e disse: ‘Não pode ser!’. Retruquei: ‘Ela é minha filha!’. A mulher respondeu novamente: ‘Não pode ser, mesmo!’. Então perguntei se ela tinha filhos e indaguei: ‘Você tem completa certeza de que eles são seus?’”, lembra o auditor.
Em família, Dalia e Eva / Foto: Simone Rodrigues
Em família, Dalia e Eva / Foto: Simone Rodrigues
Rogério é um dos principais militantes pelos direitos das famílias homoafetivas e diretor da Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas, ABRAFH. Segundo o auditor, a principal preocupação da Associação é a aprovação do Estatuto da Família. “Antes de ser aprovado, esse projeto já causou problemas até em nosso lar. Nossa filha mais velha, ao ver as reportagens a respeito, me perguntou: ‘Pai, se nossa família não é família, nós vamos ter que voltar para o abrigo?’. Essa pergunta, de uma criança de 12 anos, denota o mal que a irresponsabilidade e a desumanidade de alguns parlamentares já estão causando.”
As famílias acima estão retratadas no livro recém-lançado Nomes do amor: o amor que ousa dizer seu nome, da fotógrafa Simone Rodrigues cujo prefácio é assinado por Jean Wyllys. A obra – inspirada no trabalho da fotógrafa sul-africana Zanele Muholi, que retrata lésbicas africanas – reúne 28 famílias brasileiras homoafetivas, com ou sem filhos, biológicos ou adotados. O projeto nasceu em 2013, quando Simone sentiu incômodo diante da representação feita pela mídia do público LGBT. “O gay é sempre o homem idealizado, com o corpo como objeto de desejo, e a mulher lésbica sempre aparece junto de outra mulher, fruto de uma fantasia e fetiche masculino”, afirma Simone. “A importância de mostrar o cotidiano das famílias homoafetivas é que boa parte do preconceito é impulsionado pela ignorância. A diversidade sexual que existe no Brasil não pode viver sob os modelos ditados pelo universo hétero da sociedade conversadora, que pensa o público LGBT como uma ameaça à família tradicional. Que tipo de ameaça essas pessoas podem oferecer? Nenhuma. Elas estão vivenciando novas possibilidades de construir um núcleo familiar, tão legítimas quanto famílias hétero, já que estão baseadas no afeto e no amor para construir uma vida comum.”
A falta de dados sobre as famílias homoafetivas também é outro problema constante para a questão no Brasil. As últimas estatísticas datam de 2010, em pesquisa realizada pelo IBGE, que identificou sessenta mil casais homoafetivos no país, a maioria formada por católicos (47,4%) e mulheres (53%). Contudo, a pesquisa não abordou, por exemplo, quantos desses casais têm filhos.
Toni e David na companhia de Alyson, Jéssica e Filipe / Foto: Rafael Danielewicz
Toni e David na companhia de Alyson, Jéssica e Filipe / Foto: Rafael Danielewicz
A distância que separa a vergonha do orgulho
Dos vários convites feitos às famílias para serem retratadas no livro, Simone relata que se surpreendeu com a quantidade de recusas. “Precisava conhecer o porquê desses ‘não’. Descobri que muitas dessas famílias têm medo de se assumirem e sofrerem retaliação, principalmente no trabalho. As pessoas que tinham emprego formal, por exemplo, tinham medo de serem demitidas com a exposição do livro; as que eram autônomas, como médicos e vendedores, temiam perder os clientes”, conta. “Elas acreditam que, em um espaço público mais amplo, elas não devam existir como ‘gays’ ou ‘lésbicas’.”
O preconceito da sociedade também é um problema apontado por Berenice. “Todas as bandeiras das minorias que eu abracei tiveram muitos seguidores, mas a dos homossexuais foi quase uma luta solitária. As pessoas ainda têm medo de se manifestarem publicamente e de serem rotuladas como homossexuais”, afirma. “Elas não entendem que isso já é uma forma de discriminação”. Para a jurista, é urgente transformar a homofobia em crime no Brasil. “A Justiça consegue assegurar direitos, o que ela vem fazendo com desenvoltura e coragem, mas não consegue punir alguém por atos homofóbicos. Para se combater essa verdadeira guerra que existe contra o público LGBT – a cada 28 horas se mata um homossexual no Brasil – é necessária a existência de uma legislação adequada”, defende. Berenice explica que as propostas de lei voltadas para o público LGBT começaram a surgir no país em 1995. “Mas temos um Legislativo absolutamente covarde e até hoje não aprovamos nenhuma lei sobre o tema.”
A criminalização da homofobia está pautada no Estatuto da Diversidade Sexual, proposto por Berenice e pelas Comissões da Diversidade Sexual das Seccionais e Subseções da OAB, em 2011. Até o momento, o documento não saiu do papel. “De nada adianta apresentar propostas no Congresso se as coisas não forem adiante.” Ignorada pelo Congresso, a jurista decidiu apresentar o Estatuto como iniciativa popular. “Eu achei que seria mais fácil ir pelo caminho de angariar assinaturas, mas ainda assim é uma luta difícil, porque as pessoas não se sensibilizam pelo outro, não se colocam no lugar do outro.” Berenice chegou a caminhar pelos parques de Porto Alegre, munida de um megafone, para difundir mais rapidamente as ideias do Estatuto. Sem êxito. “Achei que seria mais rápido pela iniciativa popular, mas não é.”