Antônio Luiz Martins dos Reis é um homem
determinado. Nascido há 49 anos (completa 50 em 20 de junho do ano que
vem) na machista Coronel Vivida, veio com 20 para Curitiba, onde cursou
letras e iniciou seu treinamento como militante em tempo integral. Foi
morar na Europa e, em Londres, conheceu David Harrad, que trouxe para
Curitiba em 1990 e com quem vive até hoje. Os dois se completaram ao
adotar o garoto Alison em 2002. São uma família feliz, enfim.
Toni Reis é um pioneiro na defesa dos
direitos das minorias. Criou o Grupo Dignidade, em 1992, quando a
provinciana Curitiba só via ser desfraldada a bandeira do travesti
Gilda. Toni é uma figura pública que orgulha não só a comunidade LGBT,
mas a cidadania. Os partidos sempre lhe mandaram olhares sedutores, e
agora, pelo jeito, ele decidiu partir pra pesada: filiou-se ao PCdoB, o
histórico Partido Comunista do Brasil, uma agremiação bastante
democrática, acredita o futuro candidato.
A história de vida de Toni,
evidentemente, dá um livro (eis um desafio para os escritores cá da
terrinha). Filho de Miguelino Martins dos Reis e de Maria Consceição
Muller dos Reis, tem vivos apenas dois de seis irmãos. Viadinho da
escola, no interior, construiu seu caminho com determinação. Formou-se e
doutorou-se, viveu no exterior, derrubou barreiras em nome da união
civil homoafetiva e da adoção por casais de mesmo gênero, peitou
Felicianos e Bolsonaros. Pintou e bordou, como se dizia antanho.
Sigam os melhores trechos da conversa de Toni Reis com o editor Leandro Taques*, também autor das fotos.
A Gralha – Quem é o cidadão Toni Reis?
Toni Reis – Eu nasci em
Coronel Vivida, fui criado em Pato Branco e Quedas do Iguaçu e vim para
Curitiba em 1984. Estudei letras na Federal, militei no movimento
estudantil e no movimento partidário. Depois tive a possibilidade de
morar quatro anos na Europa, voltei pra cá e formamos o Grupo Dignidade
de Direitos Humanos LGBT. Eu sou uma pessoa idealista, mas muito
concreta. Gosto de realizar todos os meus sonhos. Um idealista concreto,
pragmático, que, no entanto, persegue e gosta de realizar suas utopias.
A Gralha – A partir de que momento você se reconheceu como homossexual?
Toni Reis – Ui!!! A prática,
desde que eu me conheço por gente. Cinco anos, três anos, eu sempre
percebi que tinha desejo pelo mesmo sexo. O meu pescoço torcia pelo sexo
masculino. Mas isso no interior é muito comum, troca-troca, direitinho…
Vocês querem que eu responda longamente??? A prática minha começou
desde a tenra idade, cinco anos de idade, foi muito precoce. Com os
primos e os amiguinhos era troca-troca direto. Mas eu me percebi gay, a
identidade gay, aos 14 anos, e eu me lembro, como se fosse hoje, o dia
que eu cheguei e falei pra minha mãe. Comecei a sofrer discriminação e
foi aí que eu percebi. Porque até então todo mundo fazia e ninguém
falava esse nome, que era viado. Naquele tempo, e ainda agora, quando
você queria agredir alguém, chamava de viado, de bicha. Mas foi quando
eu comecei a ser rejeitado no jogo de futebol. Cheguei e falei para mãe:
“Eu quero contar uma coisa para a senhora. Eu sou gay, pecador, doente e
sem-vergonha e eu não quero isso pra mim, eu quero me libertar disso,
eu quero me curar, não quero mais ser isso e quero sua ajuda.” Minha mãe
estava fazendo almoço, cortando cebola e começou a chorar. Não sei se
ela chorou por causa da minha homossexualidade ou por causa da cebola.
Mas ela confirmou que eu era pecador, doente. Que precisava procurar uma
professora e procurar saber o que é isso. A professora me disse que era
um problema, que eu precisava procurar um médico, um psicólogo. Então
minha mãe me levou para Pato Branco, me levou ao médico. Eu tinha 14
anos.
Aí começou um período da minha vida que
eu chamo de “a busca da cura”. O médico urologista, Dr. Peixoto, de Pato
Branco, me examinou e disse que eu estava bem de saúde, que poderia ser
uma variante de sexualidade. Sugeriu que eu fosse para uma capital, que
eu estudasse, fosse alguém na vida, me desenvolvesse. Ao voltar pra
casa, por ser muito ligado à Igreja, coisa que ainda hoje eu sou. Sou um
cristão nietzscheniano. E aí eu falei com o padre da Paróquia, o padre
Sigismundo, e ele me disse: “Iiiiii, meu filho, isso é pecado, se afaste
dos sacramentos, não comungue, saia da liderança da juventude porque
você é um mau exemplo. Mas faça uma novena para Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, pra se curar, pois ela é a santa dos enfermos. Faça a
novena. Se a novena não funcionar e você tiver recaída, você volta pro
primeiro dia da novena. Eu tive muitas recaídas. Na época passava uma
novela, Pai Herói, e o Toni Ramos, naquele tempo, ele era bonitinho
(hoje ele está meio caído). Eu tinha recaída e aquela novena virou
quarentena e não me curei.
Deixei a Igreja Católica, me mandaram
para a Igreja Evangélica Assembleia de Deus, onde busquei a cura e não
deu certo, depois fui no pai de santo e ele me disse que eu tinha a
pomba gira com duas cabeças desgovernadas… Tomei xaropada, tomei leite
de égua, xaropada de amendoim… Toda a minha família tentou me “ajudar” a
sair disso, mas não saí, aí vim para a capital, estudei, tive a
oportunidade de viver na Europa, casei, e foi aí que me identifiquei. E
hoje, se tiver cura, não quero me curar, estou muito feliz assim.
A Gralha – Desmentindo cada vez mais o Marco Feliciano, dizendo que não há a cura gay?
Toni Reis - Com certeza,
essa questão do Feliciano é um engodo. A pessoa pode ou não assumir, há
pessoas que não assumem na sociedade. Conhecemos pessoas no meio
político ou profissional que são homossexuais que acabam não se
assumindo para elas mesmas. Isso pode acontecer. A pessoa sublimar seus
desejos. Eu quero viver intensamente.
Gralha – É nesse momento que você se torna essa liderança?
Toni Reis – Eu sempre fui
liderança. Eu lembro que com 12 anos fui coordenador de classe, fui do
grêmio estudantil Olavo Bilac, fazia o jornalzinho da escola. Eu sempre
tive essa liderança e mesmo – até uma questão psicológica – para superar
o preconceito e discriminação, eu usava isso. Se eu não era convidado
para jogar bola, eu comprava a bola para ser o primeiro a ser chamado.
Eu sempre me utilizei da liderança. Por todo esse sofrimento eu falo
isso muito abertamente, de forma muito tranquila. Depois que vim para
Curitiba, que comecei a fazer a discussão de gênero na Universidade
Federal, fui presidente da Casa do Estudante Universitário. Eu sempre
gostei muito de política. Os meus apoiadores sempre me diziam: “Toni,
não precisa falar que você é gay. Vamos tentar falar que você não é. “
Mas sempre achei que precisava falar.
E foi na Europa que eu entendi. Chegando a
Madrid, participei de grupos LGBT; no Partido Comunista em Milão. na
Itália; depois na França, na Inglaterra, fiz parte de várias
organizações LGBT. Foi lá que percebi que a questão da homofobia e do
preconceito é cultural e se a gente aprende a ser homofóbico, ter a
homofobia internalizada, se é cultura isso a gente pode mudar. Quando
voltei pra Curitiba, fiquei três meses, cheguei em janeiro de 1992 e em
março nós criamos o Grupo Dignidade. E foi muito difícil. A gente fez
divulgação e não aparecia ninguém, só eu e meu companheiro que fazia
reunião lá em casa. Com pauta, ata e ficávamos discutindo. Ai apareceu
uma pessoa e ficamos muito felizes. Em junho, apareceram umas dez
pessoas. Mas ninguém queria colocar o nome. Tivemos que emprestar RG e
CPF para formar o Grupo Dignidade. Ninguém queria aparecer. Aí coloquei a
cara para bater. E começamos.. No nosso estatuto tinha a questão de
formarmos uma associação brasileira que formamos em 1995 e eu tinha,
desde 1983, mantido correspondência com Luiz Mott, porque eu tinha muita
curiosidade, queria saber, queria ler sobre o assunto. Eu li muito
sobre o assunto: gay, lésbica…
Naquela época era homossexual, não se
falava LGBT. Naquela época, em 1984, não se falava muito em
homossexualismo. Foi aí que eu me tornei a liderança, a partir de formar
um grupo, me envolver, trabalhar coletivamente. E aí essa liderança
veio, se manifestou, nunca foi planejada e sim, consequência. Hoje eu
falo e me sinto muito bem, encontro pessoas que me dizem: “Toni você me
ajudou, quando eu li a sua entrevista na Veja em 1993; quando você foi
no Serginho Groismann, em 1995.” Creio que a liderança, no campo LGBT,
veio a partir da minha história de vida.
Gralha – Quais os maiores obstáculos/dificuldades para o debate LGBT no Brasil?
Toni Reis – Primeiro eu acho
que conseguimos muito… de quem era pecador, doente e criminoso, a gente
chegar no Supremo Tribunal Federal e unanimemente conseguir o casamento
através da união estável no STF e depois a resolução do Conselho
Nacional de Justiça. Já conquistamos muitas coisas, mas ainda temos
muitos desafios. O primeiro é a aprovação da criminalização da
homofobia. Isso é fundamental.
Todas a minorias têm uma lei. A Maria da
Penha para as mulheres, a lei do racismo, tem a lei para pessoas
deficientes, lei pro cigano, mas não tem nenhuma lei que criminalize a
homofobia. Outro desafio é a gente superar esse preconceito que gera a
discriminação e a violência. Em 1993 nós tínhamos somente 7% de apoio da
população; hoje já são 52% de apoio da população. A sociedade mudou. E
ainda temos um grande entrave que é o componente religioso, o
fundamentalismo religioso, principalmente de certas religiões
evangélicas fundamentalistas. Isso é um desafio para a gente.
Gralha – E a questão religiosa, como conciliar religião e LGBT?
Toni Reis – Eu lido muito
bem com isso. Quando falo para um grupo heterogêneo, sempre começo
falando do princípio da igualdade, tanto na declaração universal dos
direitos humanos que diz que todas as pessoas têm igualdade de direitos e
a Constituição Federal, que diz que todos somos iguais sem
discriminação de qualquer natureza. Acho que a partir disso… esse é o
princípio básico e que a gente precisa ser respeitado. Nunca pedi em
algum curso ou palestra que as pessoas me aceitem, me abracem, me
beijem, me levem pra casa para jantar, mas eu quero que me respeitem.
Isso eu exijo. A aceitação é de coração, mas o respeito é obrigação de
qualquer cidadão. É o outro, que pode fazer o que quiser da vida dele e
eu não aceitar, mas o respeito é importante. E eu nunca tive problemas,
eu dou cursos para profissionais de educação, profissionais de saúde e
nunca tive um problema. A não ser uma vez em uma escola onde havia um
pastor e ele queria discutir levíticos. Aí parei e falei: “O sr. quer
discutir a bíblia, tudo bem, eu também sou cristão. Eu vi que ali na
esquina tem uma igreja e a gente pode ir para lá, depois do curso e
discutimos.” Mas aí é um dogma e dogma é outra questão, que você não tem
que ficar dizendo sim ou não, você respeita ou não. Eu nunca discuto a
partir de um livro sagrado. Eu discuto a partir da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e da Constituição Federal. Nunca tive problema.
Gralha – A religião também
estabelece o padrão da heteronormatividade na nossa sociedade. A
discussão LGBT tem o objetivo de superar esse padrão heteronormativo ou
tem o objetivo de conviver harmoniosamente com esse padrão?
Toni Reis – Precisamos
perceber que as pessoas vejam cada indivíduo com uma orientação sexual.
Se temos dois milhões de pessoas em Curitiba, nove milhões no Paraná e
200 milhões no Brasil, nós temos 200 milhões de orientações sexuais
diferentes. Cada um tem uma diferença. Não podemos ser binários. Eu seu
hetero, hetero, hetero ou sou homo, homo, homo. Enfim, cada um tem a sua
sexualidade e a gente precisa trabalhar isso. Precisamos questionar a
heteronormatividade, mostrar que existem outros tipos além da
heteronormatividade. Vejo que não podemos ser oito ou 80. Entre oito e
80 existem 72 possibilidades. Creio que a sexualidade é um oceano.
Muitas pessoas fazem dela um aquário, outras um lago, outras uma
cachoeira.
Existem pessoas que são restritas na
sexualidade. Tenho amigos e amigas que são papai e mamãe, outros têm
relações diferentes, abertas, fechadas. Tem pessoas que casam, são
infelizes, mas, por uma questão de norma, continuam casados. Temos que
respeitar. É o livre-arbítrio. Nesse sentido a heteronormatividade tem
que ser questionada, mas precisa ser respeitada. Se a pessoa tem um
padrão rígido, tem que respeitar, desde que me respeite… E a gente tem
que pregar, não podemos querer destruir tudo e reconstruir uma nova
concepção. E temos conseguido avançar, ter apoio de alguns setores da
sociedade, inclusive setores mais conservadores.
Gralha – Qual sua opinião a respeito dos governos Gustavo Fruet, Beto Richa e Dilma Rousseff?
Toni Reis – Enquanto
liderança LGBT, conversamos com os três. Cada um com a sua forma. Por
exemplo, nós estivemos com o governo Dilma. Sabemos, é um governo de
composição. Lá tem 60% de pessoas que são mais abertas, mas tem 40% que
são muito conservadores. No governo Dilma, inclusive, tivemos
retrocessos, se compararmos com o governo Lula. Que agora estamos
recuperando, “inclusive” dialogando. As manifestações de junho foram
bacanas. Nós fomos o segundo movimento a se recebido pela Dilma.
Primeiro a Juventude, depois o LGBT. E questionamos a suspenção do
material Escola Sem Homofobia, suspensão da campanha para a nossa
comunidade a questão HIV/AIDS e a postura. Mas ainda temos um diálogo
bastante tranquilo.
Com o Governo Beto Richa, nós nunca
tivemos acesso a ele, nós temos alguns secretários mais abertos, a
Secretaria de Justiça, a Secretaria de Educação, da Saúde, temos um
diálogo bastante tranquilo. A gente precisa ter uma política de estado e
não de governo. Estamos avançando no Paraná, num passo muito lento, mas
estamos avançando.
Com o Gustavo Fruet, ele assinou
compromisso, eu mesmo fiz campanha para ele no segundo turno, vejo que é
uma pessoa extremamente aberta. Tivemos uma audiência com ele e estamos
aguardando as definições. Eu espero que seja um governo avançado na
nossa questão. Ele assinou e inclusive fez uma observação no termo de
compromisso que está guardado no cofre da instituição que se ele não
cumprir está documentado para cobrar dele. Ele disse: “Eu vou defender a
Constituição, que diz que não deve haver discriminação de qualquer
natureza.” Já tivemos essa sinalização.
Nós queremos ter aqui em Curitiba o tripé
da cidadania, como no âmbito nacional, que é ter o Conselho Municipal
LGBT, um Plano e uma Coordenadoria, da mesma forma no estado, queremos
um Conselho, um Plano e uma Coordenadoria. Nacionalmente tivemos com o
Lula e a Dilma continuou. Creio que na questão LGBT, com os três
governos estamos avançando, claro que se compararmos os governos…. A
Dilma superou o Lula em algumas questões sociais como a saúde, a
educação. No Beto Richa, eu não vejo grandes avanços nas questões
sociais e com o Gustavo creio que é cedo para fazermos alguma análise,
mas eu gosto da forma do governo e dele em ser transparente. Abriu a
caixa preta do orçamento, já senti muitas melhoras na questão da saúde,
sou usuário, tenho a carteirinha do SUS e já mandei um elogio para o
secretário da Saúde. Está melhorando.
Gralha – Quando você e David
começaram a vida em comum em Curitiba, residiam na rua Cruz Machado, na
boca do lixo, e eram vistos como alienígenas – mas compreendidos, ao que
me consta. O que mudou de lá para cá, materialmente, na vida de vocês?
Vocês são reconhecidos pelas pessoas como um casal?
Toni Reis – Continuo na Cruz
Machado, na boca do lixo. Quando chegamos, pagamos 10 mil dólares no
apartamento, e continuamos morando lá no mesmo apartamentinho e não saio
de lá, vou morrer lá. Adoro o apartamentinho, nunca tive um problema e
ali realmente os bares são boca-quente, começa 18 horas e termina… é 24
horas. Tem prostituição, drogas, música e nunca tive problemas. Fecho
minha veneziana e durmo tranquilamente. Todos os comerciantes me
conhecem, conhecem meu marido David, meu filho, conhecem meus dois
cachorrinhos, o Victor Hugo e a Honey Panny, conversam com os
cachorrinhos, dão comida pros cachorrinhos. É uma convivência, eu nunca
fui discriminado na minha rua. Em Curitiba, em geral na rua, muito pelo
contrário, eu já fui discriminado por ser do Coxa. “Ô viadão!!!” Por eu
estar com a camisa do Coxa. Mas não por ser homossexual. Outro dia
estava de bicicleta na ciclovia com o Alison (filho) e o David e alguém
passou e gritou “Oi Toni.” E o outro ciclista, que vinha atrás, achou
que eu tinha sido xingado e o cara já saiu em minha defesa: “Não ligue,
tem gente que discrimina e tal.” Me defendendo. Então, muito pelo
contrário, nunca teve problema e eu frequento todas as classes sociais,
alta, média, baixa. Evangélicos e católicos me convidam para festas.
Creio que eu fui integrado à cultura
curitibana de forma muito tranquila. Eu gosto de estar convivendo bem
com todo mundo. Mas não deixo de questionar. Se alguém falar gay é feio,
eu vou lá e questiono. Tenho um ofício padrão, já mando para o
Ministério Público, já mando registrar o boletim de ocorrência. Fomos
integrados, mas ainda existem questionamentos, não da minha pessoa, mas
pessoas que são discriminados no trabalho, na escola, na igreja, em
todos os lugares. Mas eu enquanto pessoa nunca tive problema ou sofri
alguma violência. Existem algumas coisas nas redes sociais. Inventam
perfis fake meu Facebook, tentam prejudicar minha imagem, mas eu sou
tranquilo, eu relevo.
Gralha – Vocês adotaram um filho.
Gostaria que nos contasse como foi esse processo e quais as dificuldades
no Brasil para a adoção de crianças por casais compostos por pessoas do
mesmo sexo.
Toni Reis – O David é inglês
e eu sou indígena e alemão. E o meu lado alemão é muito certinho. Tudo
que a gente faz é com muito planejamento. Em 1990, quando a gente casou,
pensamos em adotar, mas aí pensamos, será que a criança não vai
sofrer? Pensamos, pensamos e em 2002 decidimos, vamos adotar uma
criança. Aí entramos na Vara da Infância para adoção. Tivemos uma
receptividade muito boa com o psicólogo do serviço social, aí fizemos
todos os passos, fizemos os cursos, visitaram nossa casa, falaram com os
padrinhos, as madrinhas, a família estendida… não tivemos problemas.
O juiz na primeira instância falou: pode
adotar, mas só pode ser menina e maior de dez anos. Achamos a decisão
discriminatória. Recorremos ao Tribunal de Justiça do Paraná e eles
falaram, pode adotar de qualquer idade. Uma procuradora do Ministério
Público questionou. Quis discutir o mérito. Aí fomos para o Superior
Tribunal de Justiça. Também foi questionado pelo Ministério Público e aí
fomos para o Supremo Tribunal Federal e, numa decisão monocrática, o
ministro Marco Aurélio sentenciou: “Pode adotar.”
Quando você vai adotar, pode colocar as
características. Nós não escolhemos nada, fomos conhecer o primeiro, o
Alison, e no primeiro dia ele já nos conquistou. O Alison veio com um
xaveco dizendo que queria ser médico, ensinou a gente como comer à mesa,
como bom carioca conquistou a gente. Garoto inteligente, quer ser
médico, bem educado… adotamos. Agora nem quer mais saber de ser médico,
quer ser bombeiro, artista de rua. Foi um processo super legal, mas há
dificuldade. Também achamos que na escola seria complicado, mas
acompanhamos. Todo mês fazemos uma visita, às vezes semanalmente, porque
o Alison é muito questionador, bagunceiro e precisamos ir lá, conversar
com ele e tal.
Percebemos que toda criança é
discriminada por algum motivo – por ser magra, por ser gorda, por ser
baixinha, por ser negra ou branca demais, mas ele não tem sentido esse
preconceito. Ele está se adaptando bem a Curitiba, já está falando leite
quente, dor de dente, super integrado. As vezes ele fala: “Tenho dois
pais. Eles são chatos, mas são legais.”
Gralha – Você sempre foi
assediado por partidos para sair candidato a deputado, estadual ou
federal. Parece que agora vai. Fala-se no PC do B. Por que o PC do B?
Como se deu essa decisão?
Toni Reis – Eu sempre fui do
campo popular democrático. Eu tive uma passagem pelo Partido dos
Trabalhadores e aí, por uma questão boba, de uma postura que eu tive no
Conselho Municipal de Saúde, me pegaram no pé porque eu fiz uma votação
diferente do pessoa do sindicato e me questionaram e eu fui para o PSB.
Depois saí e fiquei dez anos sem partido. Cansei, não quero mais saber
de política partidária. Fui fazer minha especialização, meu mestrado e
doutorado. Numa conversa que tivemos com o presidente Lula, ele me
incentivou a ser candidato por essa forma legal de você defender a
laicidade do estado, o povo LGBT, direitos humanos, educação. Aí me
animei. Recebi convites de cinco partidos diferentes. Do próprio PT, do
PSD, do PP, do PHS e do PC do B. Fomos conversando com as pessoas e
partidos e a proposta do PC do B foi muito bacana.
Cumpri um certo papel no movimento social
e agora me disponibilizei para a luta partidária. É no parlamento que
vai ser a questão das leis e aceitei o PC do B e estamos muito bem. É o
partido mais antigo do Brasil, é um partido que sofreu todos os
preconceitos e eu até brinco quando me perguntam por que o PC do B. É o
partido que mais sofre preconceito. Ou da direita ou da esquerda. A
direita fala que come criancinha e a esquerda que fala que é muito
adesista. Mas é um partido que esteve 65 anos na clandestinidade e
sobreviveu.
Eles têm uma base teórica de princípios
muito rígida e a democracia interna é muito bacana. Eu mesmo me
surpreendi. Eu não achava que era assim. Tinha lá minhas dúvidas… Quando
falavam de centralismo democrático. Quero ter liberdade de opinião. Lá
tem liberdade de opinião, mas decidiu, é a decisão partidária. E tem os
fóruns para se fazer esses questionamentos. E eu estou muito bem por lá.
E estar discutindo essa possibilidade de uma candidatura é importante. O
debate de todos os grupos sociais é bacana, importante.
Gralha – Quando você coloca essa
possibilidade de pré-candidatura a deputado federal, qual seria seu
espelho para atuação parlamentar? Seria o Jean Wyllys, do PSOL?
Toni Reis – Não. Gosto muito
do Jean Wyllys, é meu amigo, tem uma postura muito atuante,
inteligente. Gosto de ouvi-lo, mas eu me espelho muito no Rosinha. O
Rosinha é o candidato em quem votei em muitas eleições, sempre votei no
Rosinha. Inclusive um dos motivos da minha candidatura é que ele não vai
ser candidato e eu não vou ter em quem votar. O Chico Alencar, do PSOL,
gosto muito. Adoro a Marta Suplicy, gosto da postura aguerrida da
Marta, questionando o machismo. E o próprio Lula. O Lula pra mim é o meu
guru político. Eu gosto da forma conciliadora, de escutar, de ponderar,
de chamar, é uma pessoa que eu tenho como referência.
Gralha – O que você pensa sobre
as mais recentes decisões do STF a respeito de união homoafetiva e os
desafios da criminalização da homofobia através do PLC122 no campo legal
que organiza a luta LGBT para o próximo período?
Toni Reis – Nós temos um
Congresso muito conservador. De 513 parlamentares, temos em torno de 150
progressistas. Percebemos que pela via parlamentar nós não
conseguiríamos a união estável, o casamento. Aí fomos verificando e
aprendendo com os outros. Nos espelhamos na decisão da Colômbia, que foi
através da Suprema Corte. Questionamos a Constituição Federal em seus
artigos que falam que todos são iguais perante a lei sem discriminação
de qualquer natureza e a partir deste princípio, trouxemos o pessoal da
Colômbia, ficamos três dias em Brasília, fazendo curso e entendendo o
mecanismo. Aí o governador Sérgio Cabral ingressou com uma ADPF (N. R.:
arguição por descumprimento de preceito fundamental – orientada a
reparar lesão a preceito fundamental causada por ato do poder público).
Logo fizemos uma articulação com o
Governo Federal para fazer uma Adin (ação direta de
inconstitucionalidade, criada para controlar a constitucionalidade de
leis e atos normativos) e começamos a fazer um trabalho de visita. Eu e a
equipe, com a OAB, visitamos todos os ministros, levamos as demandas,
os memoriais e conseguimos, de forma unânime e com o apoio do Governo
Lula. Teve parecer favorável da Advocacia Geral da União, da
Procuradoria Geral da República, dos ministros. Foi muito bacana a forma
como fizemos. E um dia antes, em maio de 2011, achávamos que o Ministro
Toffoli não poderia votar porque ele foi o relator e tinha dado o
parecer, então estava impedido.
Dos dez votos, achávamos que teríamos
sete a favor e três contra. E para a grata surpresa, fomos vendo os
votos e fomos nos animando. Tivemos sete votos favoráveis à união e o
casamento e três votos para a não estável, com observação. Foi um
trabalho bem pensado, bem estruturado. É fundamental qualquer movimento,
qualquer pessoa se organizar. Tem que ter argumento e subsídio. Na
questão da criminalização da homofobia estamos indo bem. Temos apoio de
70% da população. Mas temos um grupo de fundamentalistas evangélicos que
acham que queremos prender pastores e padres, e não é isso. O que a
gente não quer é que a pessoa fale que a homossexualidade é pecado.
Pecado por pecado é você soltar cheque frio, ler o signo, buzinar na
frente do hospital, mas uma pessoa espancar no trabalho, numa escola, é
isso que queremos que seja criminalizado. Isso é importante.
A criminalização (da homofobia) tem
caráter educativo. Um exemplo, a questão do racismo. Ela melhorou, a
gente sabe, a lei não vai acabar com o racismo, mas melhorou bastante,
diminuiu. Ele fica latente, por isso a gente precisa estar vigilante.
Por isso precisamos de uma lei para criminalizar a homofobia, com
caráter educativo, e o desafio é superar o fundamentalismo desse grupo
que acha a gente vai tolher a liberdade de expressão. Eu sou totalmente a
favor da liberdade de expressão desde que não fira a dignidade humana.
Eu não posso sair falando coisas horrorosas das mulheres, dos negros…
Não posso falar e ferir a dignidade humana. Esse é um ponto importante.
Inclusive já temos jurisprudência no Supremo Tribunal Federal.
Gralha – O que dizer para aqueles que tacham os ativistas LGBT como os que querem instaurar a ditadura gay no Brasil?
Toni Reis – Uma piada. Que
ditadura gay… Eu quero mais que as pessoas sejam felizes. Tem que ser
feliz da sua forma, do seu jeito. Não queremos impor valores. Até
brinco, já temos um monte de concorrência, não queremos fazer apologia
da homossexualidade. Isso é uma tremenda babaquice, é senso comum. Uma
besteira. Eu até brinco com o Silas Malafaia, o Feliciano e o Bolsanaro
que são meus fregueses lá no Congresso. Nos debates eu sempre falava pra
eles: “Se e quando for aprovado o casamento gay, vocês não precisam
casar.” O Bolsanaro e o Feliciano não serão obrigados… e isso que
aconteceu. Faz dois anos que aprovamos o casamento gay e eu não conheço
um heterossexual que foi casar com um outro heterossexual…. Não vai. A
lei não modifica o comportamento.
Não conheço um heterossexual que perdeu
um direito. De norte a sul, leste a oeste, os 200 milhões de
brasileiros, não tem um que disse eu perdi esse direito, mas agora, 10%
ganharam esse direito. Se as pessoas não querem exercer esse direito,
são outros quinhentos. Inclusive no movimento gay tem pessoas que não
querem casar, querem ficar livres… cada um é cada um…
Gralha – Pra fechar. Quem precisa sair do armário?
Toni Reis – Sair do armário é
a pessoa se assumir como ela é. Se eu sou comunista sou comunista, se
eu sou homossexual, homossexual; se sou heterossexual, heterossexual.
Acho que a pessoa tem que ser feliz. A finalidade da vida, segundo
Aristóteles, é ser feliz. A gente tem que sair do armário e ser feliz,
viver a vida com as nossas escolhas, que serão criticadas pela mãe, pelo
pai, pelos irmãos, pela sociedade, mas… quase falei um palavrão…. A
gente tem que ser feliz e viver de forma tranquila com essas pessoas.
Tem algumas coisas que são escolhas e algumas que precisam ser aceitas.
Nesse sentido quem tem que sair do armário é a felicidade.
* A cientista social Amanda Jaqueline participou da entrevista, concedida na sede do Grupo Dignidade, em Curitiba.
FONTE: http://www.agralha.com.br/pensata-inner.php?id=847&token=f4552671f8909587cf485ea990207f3b