segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Carta aberta de Toni Reis à Cláudia Leitte

  Carta aberta de Toni Reis à Cláudia Leitte

16.11.2008

Na última semana a cantora Cláudia Leitte causou polêmica ao responder uma pergunta de Léo Áquilam no TV Fama da RedeTV. Ela disse que não gostaria de ter um filho gay e preferia que fosse “macho”. “Eu adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja macho”. A fala da cantora foi endossada pelo marido Márcio Pedreira.  “Deus me livre (do filho ser gay). Ele será bem criado”, disse Márcio.
Tal declaração provocou um grande desconforto e várias associações se pronunciaram criticando a atitude de Cláudia Leitte, que pouco tempo depois escreveu no seu blog uma retratação: “Francamente, não desejo que meu filho seja homossexual por vários motivos e, sobretudo, pelo preconceito absurdo que vejo meus amigos gays sofrerem em seu dia-a-dia. Entretanto, Deus sabe o que ele será e, independente do rumo da sua sexualidade, eu o amarei incondicionalmente”, escreveu a cantora.
E completou dizendo: “Se eu errei, ou magoei alguém, lamento, e em nome do meu marido também. Essa jamais foi a nossa intenção. Assim aprendi em minha casa: ‘Ame, indistintamente’. Assim o farei. Sempre o fiz”.
Abaixo segue a carta aberta endereçada a cantora que Toni Reis, presidente da ABGLT enviou neste fim de semana.
Carta  Aberta  à  Claudia Leitte
Claudia  Leite,  sou  Toni  Reis, 44  anos,  paranaense,  moro  em  Curitiba.  Sou  Gay, sou   casado  com meu  marido David  Harrad   há  18  anos   e  sou  muito  feliz  e   realizado   como  profissional e  pessoa.  Atualmente, sou presidente da Associação   Brasileira de   Lésbicas, Gays, Bissexuais,  Travestis  e Transexuais (ABGLT) que é uma entidade nacional que congrega 203 organizações afins, o que reflete parte da minha trajetória, mas neste momento, quero fazer um depoimento pessoal.
Claudia Leitte,  gostaria  de   dizer   que  amo  você  pelo  talento com que você  se  expressa.  Seu  repertório,  sua  alegria  de   viver  que  para   passa  mim. Sou seu fã de carteirinha. Simplesmente adoro   você  e  ademais   você  é  linda.
Com  relação à  sua  entrevista  sobre  a  nossa   questão na  qual  você   disse “Eu adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja macho” e   seu  marido Márcio Pedreira, completou. “Deus me livre (do filho ser gay). Ele será bem criado”.
Quero   dizer  que   fiquei muito decepcionado com a noção errônea de que é a criação que faz com que alguém seja gay, ou não.
Tudo isso me fez lembrar o que aconteceu comigo quando, aos  meus 14  anos,  falei  para  minha  mãe: “Mãe,  sou  gay.”
Quando  falei  para  minha  mãe  e minha   família,  todos  e todas  ficaram  chocados  e  tentaram  durante  seis   anos da  minha  vida  (o  que   foi    um  inferno  na  terra) me “curar”  de  todas  as  maneiras. Levaram-me  para  a  Policlínica da cidade de Pato  Branco e  pediram  para ser examinado por um médico,  achando  que  eu  tinha  um  problema  médico. Mas o médico  falou que eu não tinha um problema de saúde, e que homossexualidade  não  é  doença,  e me encaminhou para uma psicóloga. Ela também me  falou  que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão. Na verdade, ela estava bem à frente do seu tempo, visto só foi em 1999 que o Conselho Federal de Psicologia baixou uma resolução que entre outras determinações, estabelece: “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.”
Mas, não  contente, minha  família   Católica,   que  bem me  criou,  pediu  para  eu falar  com  o  falecido  padre  da nossa cidade de  Quedas  do  Iguaçu , e o mesmo  pediu  para  eu me  afastar   do Encontro Vocacional e da Santa Comunhão,  até  que  eu me  curasse  do  “pecado  nefando”.  Pediu que  fizesse  uma  novena   para  Nossa  Senhora  do  Perpétuo  Socorro,  que  eu me  curaria, mas se  eu tivesse  uma  recaída,  era  para  voltar  ao  primeiro  dia.  Tive  várias  recaídas,  afinal  a orientação sexual  de um pessoa não é escolha e tampouco opção. Eu  simplesmente era   gay.  Tive  que  voltar  várias  vezes   ao  primeiro  dia   da  novena, que já tinha virado uma  quarentena.
Não contentes, minha  família  e meus amigos  me  levaram  para   a  igreja  da Assembléia  de Deus  para     receber   benção. Mas não  deu  certo.  Levaram-me para  um  centro  espírita e o pai  de santo  me  falou  que   tinha   a  pomba-gira. Fizemos  “os  trabalhos”, mas não deu certo.
Fizeram de tudo  para  me  “curar”. Por  último, tomei  xaropes com amendoim e  tudo  mais  para  que  fosse “macho”, mas não  deu  certo.  Como  meu  irmão disse  depois, sou  macho por  ter   assumido  logo  cedo  o  que  era. Aos 20  anos,  me  deram a  derradeira   última possibilidade:  era  tomar  leite  de  colostro  de  égua  para  me curar. Felizmente,  não  deu  certo.

Hoje  estou  aqui,  bem  criado,  como especialista,  mestre  e doutorando,  e  feliz  e realizado  com meu  marido.  Minha mãe, depois  de tudo que aconteceu na minha adolescência, em 1996 se  propôs  a  casar com meu  marido  (que é estrangeiro) para  que  ele pudesse ficar no  Brasil, comigo.  De total  fundamentalista, minha mãe se  tornou  uma   grande  competente  cultural. Acredito  na mudança  de  pensamento das  pessoas.
Falei  um pouco  de  mim. Quero que entendam, Cláudia e Márcio,  que  a homossexualidade  não é  tão  simples  que se possa dizer “eu  quero que  meu  filho  seja  macho  ou  fêmea.”  Não é uma  questão  de  educação.   Não é uma questão  de religião, mas sim uma questão de ser.  E como  dizia  Aristóteles, a  finalidade  da  vida  é  ser  feliz.
A partir da minha experiência e algumas leituras, nestes   25  anos  de  minha  militância na  comunida  LGBT,  sempre  quando  acontece  qualquer  depoimento  ou  ação contrários aos homossexuais, procuro  classificar  em oito etapas da competência cultural de cada um, que é uma escala, da mais homofóbica à situação ideal que queria.
1. A  situação  mais  homofóbica é  a nazista,  que  mata  o  outro  por  ser diferente. No  Brasil   temos  muitos  casos. Segundo o Grupo Gay da Bahia, são 2.800  caso  de  assassinatos. Hoje  no  mundo, ainda há sete países onde há pena  de  morte  para  os  homossexuais.
2. Depois,  vêm  os fanáticos,  que   morrem por  sua  causa.  Hoje  no  mundo, há 83 países  que  criminalizam a  homossexualidade.
3. Depois, há o fundamentalista que  fala que como está escrito na Bíblia (ou outro livro sagrado) que   somos   pecadores, mereceremos   ser curados.  No Brasil, os fundamentalistas são  nossos  piores  adversários  para  aprovação  das leis   que  protegeriam nossos direitos. São  estes  religiosos fundamentalistas,  que  no  nome  do  deus  deles, nos   discriminam, incentivam a  violência e  fazem  oposição  aos  nossos  direitos.
4. Depois, os  preconceituosos   que  não  entendem  nada  da  homossexualidade  ou  têm  informações   distorcidas, se utilizando de estereótipos e  falando  mal  da  nossa comunidade  e contra nossos  direitos.
5. Depois vêm  os  tolerantes que não nos aceitam, mas convivem, no intuito de nos mudarem, se  pudessem.
6. Em seguida há as  pessoas que  nos  respeitam. Não chegam a nos  aceitar, mas  respeitam  nossos  direitos  e nossa forma  de  ser.
7. E  depois  as  pessoas  que  nos aceitam  como seres  humanos  e como  cidadãs  e cidadãos.
8. E  por final, há as pessoas  que   são  competentes   culturais. São as  pessoas que não  discutem  a  nossa   situação, simplesmente  convivem. Afinal, o fundamental é viver.
Cláudia, nessa escala, acho que você está entre uma pessoa tolerante e uma pessoa que nos respeita. O que você acha?
Claudia Leitte, gostaria  muito  que você se pronunciasse  a  favor  do  Projeto  de  Lei  da Câmara nº 122/2006, que  criminaliza  a  Homofobia  e  a iguala ao  racismo.
Claudia e  Márcio,  quero  que seu filho ou sua filha seja  muito  feliz, que  tenha  muita  saúde, independente da orientação  sexual  ou  identidade  de  gênero. Se tiver seu talento, será maravilhoso(a).  Ou  não.
Toni Reis 

Um comentário: