Carta aberta de Toni Reis à Cláudia
Leitte
16.11.2008
Na última semana a cantora Cláudia Leitte causou polêmica ao
responder uma pergunta de Léo Áquilam no TV Fama da RedeTV. Ela disse
que não gostaria de ter um filho gay e preferia que fosse “macho”. “Eu
adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja macho”. A fala da cantora
foi endossada pelo marido Márcio Pedreira. “Deus me livre (do filho ser
gay). Ele será bem criado”, disse Márcio.
Tal declaração provocou um grande desconforto e várias associações se
pronunciaram criticando a atitude de Cláudia Leitte, que pouco tempo
depois escreveu no seu blog uma retratação: “Francamente, não desejo que
meu filho seja homossexual por vários motivos e, sobretudo, pelo
preconceito absurdo que vejo meus amigos gays sofrerem em seu dia-a-dia.
Entretanto, Deus sabe o que ele será e, independente do rumo da sua
sexualidade, eu o amarei incondicionalmente”, escreveu a cantora.
E completou dizendo: “Se eu errei, ou magoei alguém, lamento, e em
nome do meu marido também. Essa jamais foi a nossa intenção. Assim
aprendi em minha casa: ‘Ame, indistintamente’. Assim o farei. Sempre o
fiz”.
Abaixo segue a carta aberta endereçada a cantora que Toni Reis, presidente da ABGLT enviou neste fim de semana.
Carta Aberta à Claudia Leitte
Claudia Leite, sou Toni Reis, 44 anos, paranaense, moro
em Curitiba. Sou Gay, sou casado com meu marido David Harrad
há 18 anos e sou muito feliz e realizado como profissional
e pessoa. Atualmente, sou presidente da Associação Brasileira de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) que é uma
entidade nacional que congrega 203 organizações afins, o que reflete
parte da minha trajetória, mas neste momento, quero fazer um depoimento
pessoal.
Claudia Leitte, gostaria de dizer que amo você pelo
talento com que você se expressa. Seu repertório, sua alegria
de viver que para passa mim. Sou seu fã de carteirinha.
Simplesmente adoro você e ademais você é linda.
Com relação à sua entrevista sobre a nossa questão na
qual você disse “Eu adoro os gays, mas prefiro que meu filho seja
macho” e seu marido Márcio Pedreira, completou. “Deus me livre (do
filho ser gay). Ele será bem criado”.
Quero dizer que fiquei muito decepcionado com a noção errônea de que é a criação que faz com que alguém seja gay, ou não.
Tudo isso me fez lembrar o que aconteceu comigo quando, aos meus 14 anos, falei para minha mãe: “Mãe, sou gay.”
Quando falei para minha mãe e minha família, todos e
todas ficaram chocados e tentaram durante seis anos da minha
vida (o que foi um inferno na terra) me “curar” de todas
as maneiras. Levaram-me para a Policlínica da cidade de Pato Branco
e pediram para ser examinado por um médico, achando que eu tinha
um problema médico. Mas o médico falou que eu não tinha um problema
de saúde, e que homossexualidade não é doença, e me encaminhou para
uma psicóloga. Ela também me falou que a homossexualidade não
constitui doença, nem distúrbio e nem perversão. Na verdade, ela estava
bem à frente do seu tempo, visto só foi em 1999 que o Conselho Federal
de Psicologia baixou uma resolução que entre outras determinações,
estabelece: “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão
ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não
solicitados.”
Mas, não contente, minha família Católica, que bem me
criou, pediu para eu falar com o falecido padre da nossa cidade
de Quedas do Iguaçu , e o mesmo pediu para eu me afastar do
Encontro Vocacional e da Santa Comunhão, até que eu me curasse do
“pecado nefando”. Pediu que fizesse uma novena para Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, que eu me curaria, mas se eu
tivesse uma recaída, era para voltar ao primeiro dia. Tive
várias recaídas, afinal a orientação sexual de um pessoa não é
escolha e tampouco opção. Eu simplesmente era gay. Tive que
voltar várias vezes ao primeiro dia da novena, que já tinha
virado uma quarentena.
Não contentes, minha família e meus amigos me levaram para
a igreja da Assembléia de Deus para receber benção. Mas não
deu certo. Levaram-me para um centro espírita e o pai de santo
me falou que tinha a pomba-gira. Fizemos “os trabalhos”, mas
não deu certo.
Fizeram de tudo para me “curar”. Por último, tomei xaropes com
amendoim e tudo mais para que fosse “macho”, mas não deu certo.
Como meu irmão disse depois, sou macho por ter assumido logo
cedo o que era. Aos 20 anos, me deram a derradeira última
possibilidade: era tomar leite de colostro de égua para me
curar. Felizmente, não deu certo.
Hoje estou aqui, bem criado, como especialista, mestre e
doutorando, e feliz e realizado com meu marido. Minha mãe, depois
de tudo que aconteceu na minha adolescência, em 1996 se propôs a
casar com meu marido (que é estrangeiro) para que ele pudesse ficar
no Brasil, comigo. De total fundamentalista, minha mãe se tornou
uma grande competente cultural. Acredito na mudança de pensamento
das pessoas.
Falei um pouco de mim. Quero que entendam, Cláudia e Márcio,
que a homossexualidade não é tão simples que se possa dizer “eu
quero que meu filho seja macho ou fêmea.” Não é uma questão de
educação. Não é uma questão de religião, mas sim uma questão de
ser. E como dizia Aristóteles, a finalidade da vida é ser
feliz.
A partir da minha experiência e algumas leituras, nestes 25
anos de minha militância na comunida LGBT, sempre quando
acontece qualquer depoimento ou ação contrários aos homossexuais,
procuro classificar em oito etapas da competência cultural de cada um,
que é uma escala, da mais homofóbica à situação ideal que queria.
1. A situação mais homofóbica é a nazista, que mata o
outro por ser diferente. No Brasil temos muitos casos. Segundo o
Grupo Gay da Bahia, são 2.800 caso de assassinatos. Hoje no mundo,
ainda há sete países onde há pena de morte para os homossexuais.
2. Depois, vêm os fanáticos, que morrem por sua causa.
Hoje no mundo, há 83 países que criminalizam a homossexualidade.
3. Depois, há o fundamentalista que fala que como está escrito
na Bíblia (ou outro livro sagrado) que somos pecadores,
mereceremos ser curados. No Brasil, os fundamentalistas são nossos
piores adversários para aprovação das leis que protegeriam nossos
direitos. São estes religiosos fundamentalistas, que no nome do
deus deles, nos discriminam, incentivam a violência e fazem
oposição aos nossos direitos.
4. Depois, os preconceituosos que não entendem nada da
homossexualidade ou têm informações distorcidas, se utilizando de
estereótipos e falando mal da nossa comunidade e contra nossos
direitos.
5. Depois vêm os tolerantes que não nos aceitam, mas convivem, no intuito de nos mudarem, se pudessem.
6. Em seguida há as pessoas que nos respeitam. Não chegam a
nos aceitar, mas respeitam nossos direitos e nossa forma de ser.
7. E depois as pessoas que nos aceitam como seres humanos e como cidadãs e cidadãos.
8. E por final, há as pessoas que são competentes
culturais. São as pessoas que não discutem a nossa situação,
simplesmente convivem. Afinal, o fundamental é viver.
Cláudia, nessa escala, acho que você está entre uma pessoa tolerante e uma pessoa que nos respeita. O que você acha?
Claudia Leitte, gostaria muito que você se pronunciasse a
favor do Projeto de Lei da Câmara nº 122/2006, que criminaliza a
Homofobia e a iguala ao racismo.
Claudia e Márcio, quero que seu filho ou sua filha seja
muito feliz, que tenha muita saúde, independente da orientação
sexual ou identidade de gênero. Se tiver seu talento, será
maravilhoso(a). Ou não.
Toni Reis
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