Entrevista a Zé Dirceu – Toni Reis: “Falta coragem a nossos aliados. Eles têm medo de perder votos”
Umas das principais referências do Brasil
na luta pelos direitos dos homossexuais, Toni Reis diz que os partidos
precisam ter mais coragem para assumir essa bandeira. “Temos muitos
aliados que estão no armário. Não que sejam homossexuais. São
heterossexuais, mas têm medo de perder votos”, diz o ativista em
conversa com este blog.
Reis passou seis anos na presidência da
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT) – cargo que deixou no início deste ano – e é diretor
do Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual (IBDSEX) e do Grupo
Dignidade. Ele diz que a comunidade gay conquistou direitos
recentemente, via Judiciário, mas falta uma ação mais incisiva dos
partidos políticos – e, acentua, também do Executivo.
Para Toni Reis, existe hoje uma ameaça real e significativa à conquista dos direitos das minorias: o fundamentalismo religioso. “E o poder que essas pessoas estão tendo, inclusive elegendo representantes nas Câmaras, nas Assembleias e no próprio Congresso Nacional.”
Para Toni Reis, existe hoje uma ameaça real e significativa à conquista dos direitos das minorias: o fundamentalismo religioso. “E o poder que essas pessoas estão tendo, inclusive elegendo representantes nas Câmaras, nas Assembleias e no próprio Congresso Nacional.”
Reis também alerta que é preciso aprovar o
mais rapidamente possível o projeto que criminaliza a homofobia no país.
Acompanhe a entrevista:
[ Zé Dirceu ] Como podemos classificar o
Brasil em relação aos direitos homossexuais? Comparado com outros
países, como o Brasil está?
[ Toni Reis ] O Brasil evoluiu bastante na
questão do Judiciário, nós temos alguns direitos através do Supremo
Tribunal Federal. A decisão sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade
[da união homoafetiva] foi unânime, e isso para a gente foi
fundamental. Hoje já temos cinco Estados que já tem o casamento, mas
através da Justiça.
No Legislativo, estamos no atraso. Temos lá
um problema sério do fundamentalismo. Tem um setor muito organizado.
Embora tenhamos aliados, tem muita gente em cima do muro. Estamos
bastante atrasados em relação a Uruguai – apenas para citar os vizinhos
–, Argentina, Bolívia, Equador, Venezuela, México e Cuba. Argentina está
ganhando de dez a zero.
Com relação à Europa, estamos perdendo feio
para Portugal, para Espanha, vamos perder também para a França. Tudo
isso no Legislativo.
No Executivo, tivemos um grande avanço na
época do governo Lula. Nós tivemos a primeira Conferência Nacional dos
Direitos Humanos, que foi um grande avanço, com a presença de oito
ministros, do presidente Lula, mesmo com todo um setor fundamentalista
pressionando que ele não fosse.
Mas agora, no Executivo, tivemos um
retrocesso, principalmente com o pronunciamento da presidenta Dilma
Rousseff por causa do material que feito com mais de 500 técnicos,
mestres, doutores, o material da Escola Sem Homofobia [o kit acabou
sendo vetado]. Por pressão de um setor, foi suspenso. Nós estamos
dialogando para superar esse impasse e mostrar que não é propaganda de
opções sexuais. O que nós queremos é cidadania, direitos humanos, não
queremos privilégio nenhum. Queremos ser tratados como qualquer cidadão,
naturalmente.
Então, em resumo, não somos nenhum país da
África onde há pena de morte para homossexuais – hoje temos sete países
no mundo assim e 75 países que criminalizam a homossexualidade –, mas
estamos longe… Se fosse dar uma nota para o nosso país, seria nota seis.
Mas podemos recuperar e creio que a nossa
mobilização tem conseguido isso. Através das nossas paradas, temos 200
paradas em todo o Brasil. A ABGLT está com 284 organizações em todos os
Estados e nas maiores cidades. Eu creio que a gente tem que forçar um
pouco e trabalhar para diminuir essa questão do fundamentalismo
religioso.
[ Zé Dirceu ] Como é nas empresas, nas universidades hoje? Avançou?
[ Zé Dirceu ] Como é nas empresas, nas universidades hoje? Avançou?
[ Toni Reis ] Temos 30 universidades, das
federais, com grupos de estudos, publicações, estudiosos. Nas empresas,
uma pesquisa do Departamento Nacional de DST/Aids mostra que 51% de
nossa comunidade já foi discriminada. Dentro da educação, é um problema
sério: 40% dos meninos não gostariam de estudar com gays ou lésbicas.
Para nós, de todas as áreas, a educação é a
fundamental. E a questão é do respeito à diversidade. Todos precisam ser
respeitados. Não precisa aceitar, não precisar pegar a bandeirinha do
arco-íris e ir à Parada Gay. Mas respeitar os nossos direitos é o que
queremos.
[ Zé Dirceu ] Por que a Assembleia da França –
e de outros países anteriormente – conseguem aprovar o casamento civil
entre pessoas do mesmo sexo e o Brasil continua parado? É mais por causa
da reação fundamentalista ou também falta de coragem?
[ Toni Reis ] Falta coragem de nossos
aliados. Temos muitos aliados que estão no armário. Não que sejam
homossexuais. São heterossexuais, mas têm medo de perder votos.
No caso da Espanha, da Argentina e do
Uruguai, os partidos foram fundamentais. Os partidos têm que levantar a
bandeira e ter coragem de defender os direitos humanos. Os direitos
humanos são para todos, independentemente da orientação sexual, da cor,
da religião…
O posicionamento do [François] Hollande
[presidente da França] foi fundamental, ele foi lá e bancou. Precisamos
de um posicionamento partidário. Nós, do movimento, estamos fazendo
nosso papel, mas quem toma a decisão no Legislativo são os partidos.
Precisamos que assumam essa bandeira do princípio da igualdade.
[ Zé Dirceu ] Nesse sentido, como você avalia a postura do PT?
[ Toni Reis ] O PT, historicamente, sempre
nos defendeu. Tivemos duas ou três exceções que parlamentares que se
posicionaram contra, mas que foram chamados ao conselho de ética,
inclusive dois saíram do partido…
O partido tem resolução desde sua fundação,
tem documentos, tem um posicionamento muito claro. Embora, em dados
momentos, tenha se assustado com esse fundamentalismo. Nós precisamos de
uma postura mais crítica e incisiva. Precisamos enfrentar e dizer
“queremos a laicidade do Estado”.
Respeitamos evangélicos, católicos, ateus,
judeus, mas precisamos de uma ação mais incisiva do PT e por parte dos
partidos de esquerda e de outros, porque nossa comunidade vai desde a
extrema esquerda até a direita.
O PT tem uma história de apoio [à comunidade
gay] e inclusive sofre por isso. Nas eleições passadas, setores
conservadores e fundamentalistas atacaram candidaturas do PT.
[ Zé Dirceu ] Qual a importância de políticas públicas no combate ao preconceito e na conquista de direitos?
[ Toni Reis ] É fundamental. O Estado existe
para as pessoas que mais precisam. Para a gente ter a igualdade de
direitos e oportunidades. Isso é fundamental em todos os ministérios da
área social.
[ Zé Dirceu ] Há um projeto tramitando no
Congresso que admite a cura da homossexualidade. Acredita que haja
chance de aprovação?
[ Toni Reis ] Infelizmente deve passar nas
comissões, mas deve ser derrubado em plenário. Isso é um acinte. Isso
foi derrubado em 1990 pela organização Mundial de Saúde. A Associação de
Psiquiatria derrubou em 1973. A homossexualidade não é uma doença. Isso
[projeto] está ferindo a autonomia dos conselhos de psicologia, é muito
grave. É uma perda de tempo, é uma besteira muito grande.
[ Zé Dirceu ] Na última campanha municipal, houve exploração da homossexualidade (usando o termo “kit gay”, por exemplo). Qual o impacto disso sobre o eleitor, sobre o cidadão?
[ Zé Dirceu ] Na última campanha municipal, houve exploração da homossexualidade (usando o termo “kit gay”, por exemplo). Qual o impacto disso sobre o eleitor, sobre o cidadão?
[ Toni Reis ] O material Escola Sem Homofobia
– tivemos uma grande pesquisa em 11 capitais, tivemos seminários em
todas as regiões, mais de 500 pessoas participaram – é muito bem feito,
em nenhum momento havia apologia à homossexualidade. Eu acho que [o uso
eleitoral] foi um desserviço à cidadania. Prova disso foi em São Paulo,
onde o [prefeito Fernando] Haddad foi atacado.
Inclusive eles [adversários de Haddad] tinham
copiado parte do material, que era muito bem feito. Material do próprio
José Serra [durante seu governo em São Paulo]. E a gente sempre viu o
José Serra, como ministro da Saúde, positivamente. Ele falou uma frase
que na época me marcou muito: “As religiões devem cuidar da alma e eu,
como ministro, devo cuidar do corpo”. E depois ele não praticou o que
falou. Então, isso para a gente foi bastante triste.
Mas a população reprovou isso na cidade de
São Paulo. Mas em algumas capitais e em algumas cidades, pegou esse
discurso conservador, que é muito raso.
[ Zé Dirceu ] E nas escolas, o que pode e tem sido feito no combate à discriminação?
[ Toni Reis ] Eu acho que a resposta é a
educação, para a questão do machismo, do racismo, de todas as formas de
discriminação. Tem que aprender a respeitar o outro, seja qual for a
especificidade. Tem que aprender a conviver harmonicamente e sem
discriminação.
É por isso que a gente vai atuar nas
conferências de educação, tanto municipais, estaduais e federal.
Queremos que tenha mais estudo sobre isso, não levando a apologia à
homossexualidade, porque não precisa de apologia. Queremos apologia à
cidadania, ao respeito, à convivência harmônica. E a escola é
fundamental nesse sentido.
[ Zé Dirceu ] Que tipo de papel cumprem hoje as ONGs que defendem os direitos humanos de gays, lésbicas e travestis?
[ Zé Dirceu ] Que tipo de papel cumprem hoje as ONGs que defendem os direitos humanos de gays, lésbicas e travestis?
[ Toni Reis ] Primeiro, o denunciar toda e
qualquer forma de discriminação. Nesse sentido, o governo Lula e agora a
Dilma têm feito sempre. Hoje nós temos dados reais. Tirou do armário o
preconceito e a discriminação, através do Disk 100, por exemplo. Hoje
temos um diagnóstico da discriminação.
Segundo, da conscientização dessa comunidade.
E terceiro, fazer o que chamamos de advocacy, que é o antigo lutar.
Fazer o advocacy junto às autoridades competentes para que haja
políticas públicas.
[ Zé Dirceu ] Embora não seja possível fazer uma escala de preconceitos, há um perverso, até mesmo entre os gays: contra travestis e transexuais. Há esperança de mudança em curto prazo?
[ Zé Dirceu ] Embora não seja possível fazer uma escala de preconceitos, há um perverso, até mesmo entre os gays: contra travestis e transexuais. Há esperança de mudança em curto prazo?
[ Toni Reis ] Nós somos frutos do
preconceito. Temos mulheres machistas, negros que são racistas e gays
que são homofóbicos – inclusive no mundo político. Há muitas pessoas que
não aceitam sua sexualidade e acabam tendo uma certa aversão,
prejudicando nossos direitos.
[ Zé Dirceu ] Casos de violência contra homossexuais e travestis são um problema de polícia ou também de política?
[ Toni Reis ] Acho que os dois. Temos um
levantamento que mostra cerca de 3,8 mil casos de assassinatos [de
homossexuais] no Brasil, é muita gente. São assassinatos gravíssimos,
com requintes de crueldade. Muitas vezes, apenas 2% desses casos são
resolvidos. Tem que haver investigação, a impunidade é muito grande.
Tivemos recentemente em Valparaíso (GO) um
caso em que a própria polícia decepou os dedos de uma menina lésbica [a
denúncia está sendo investigada]. Isso choca. Na UnB, uma lésbica foi
espancada dentro da universidade. Precisamos de política para as pessoas
respeitarem.
[ Zé Dirceu ] Como você vê hoje a representação de gays e lésbicas na TV brasileira?
[ Toni Reis ] Melhorou. Mas ainda temos três
problemas: nos programas policiais; nos religiosos, nos quais alguns
pastores se utilizam de uma concessão pública de forma sorrateira para
incutir no pai, na mãe e nos familiares o preconceito; e nos programas
humorísticos.
Mas a gente tem percebido que as telenovelas e
os telejornais realmente têm melhorado. Foi a primeira profissão no
Brasil – os jornalistas – em que aprovamos, em 1987, o respeito pela
orientação sexual. A cobertura dos jornais impressos melhorou.
Claro que existem alguns setores, alguns
articulistas bastante homofóbicos, mas em geral os meios de comunicação
têm dado uma cobertura interessante à nossa situação.
[ Zé Dirceu ] Qual o principal problema enfrentado hoje?
[ Toni Reis ] É o avanço do fundamentalismo
religioso. A intolerância religiosa à questão dos direitos das mulheres,
das minorias, é um problema sério. Hoje a bola da vez são os
homossexuais. Mas há a questão das mulheres, dos negros, dos ateus, dos
espíritas. Nós estamos resistindo de todas as formas.
Então o grande problema hoje é o
fundamentalismo religioso. E o poder que essas pessoas estão tendo,
inclusive elegendo representantes nas Câmaras, nas Assembleias e no
próprio Congresso Nacional.
[ Zé Dirceu ] Esse fundamentalismo está refletindo no dia a dia? Não é uma contradição com os avanços dos últimos anos?
[ Toni Reis ] É porque os fundamentalistas
também saíram do armário. Eles falam abertamente, estão aí os projetos
de lei. Se você pegar, por exemplo, o João Campos (PSDB-GO), ele tem
seis, oito projetos contra a nossa cidadania. Ele quer derrubar a
decisão do Supremo [a favor da união homoafetiva], quer derrubar todas
as políticas da área da Saúde para travestis e homossexuais. E eles vêm
com argumento bíblico, dogmático, fundamentalista.
Por isso, buscamos nos aliar com religiosos
que são abertos a essa discussão, com ateus e com as pessoas que querem
um estado laico.
Os fundamentalistas não podem incentivar o
preconceito, a discriminação e a violência. E é isso que eles estão
fazendo, com o manto da livre expressão. Temos que defender a livre
expressão, mas não que incentive a discriminação.
[ Zé Dirceu ] E qual a prioridade neste momento?
[ Toni Reis ] É preciso criminalizar os
crimes de ódio. Tivemos uma reunião com o senador Paulo Paim (PT-RS)
[relator do projeto que criminaliza a homofobia] para discutir o
assunto. Não queremos prender nenhum padre, nenhum pastor por questões
filosóficas, a não ser que as pessoas incentivem a violência e a
discriminação. Essa é a prioridade nossa no momento.
FONTE: http://www.zedirceu.com.br/toni-reis-falta-coragem-a-nossos-aliados-eles-tem-medo-de-perder-votos/
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