Ele faz o tipo
correto. Boa-praça, agradaria se rezasse missas ou se desse aulas.
Digníssimo, preferiu ser o “Toni do Dignidade”. E é a voz mais
contundente do Brasil na defesa das minorias sexuais, que estreia a nova
série da Gazeta do Povo
Aldrin Cordeiro e Marcelo Furtado
Em maio deste ano, o paranaense Toni Reis, 47 anos, foi um
dos primeiros a registrar a união homoafetiva no país, após decisão
unânime do Supremo Tribunal Federal. Não poderia ser diferente. Toni
vem de uma longa trajetória de luta pelos direitos dos homossexuais.
Desde 2006, é presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,
Travestis e Transexuais (ABGLT), posto que o levou ao centro do poder,
em Brasília, e a conseguir o apoio do ex-presidente Lula ? a quem chama
de ?amigo?.
» Vídeo:Toni Reis fala sobre a descoberta da sexualidade» Fotos:confira o ensaio fotográfico com Toni Reis» Fotos:veja os bastidores da entrevista
Nascido em Coronel Vivida, no Sudoeste do Paraná, o ativista passou a
infância e a adolescência no interior, ora em Pato Branco, ora em Quedas
do Iguaçu. Foi nesse ambiente de gaúchos, como diz, que percebeu sua
diferença. E não só na sexualidade: aos 14 anos, ao se ver excluído
pelos colegas na hora do futebol, decidiu comprar uma bola e fazer o seu
próprio jogo. Naquela época, um médico lhe avisou: para não ser
discriminado, teria de sair da cidade e estudar.
Em Curitiba, Toni Reis se formou em Letras pela Universidade Federal do
Paraná. Depois se mudou para a Europa, onde viveu seis anos e
conheceu seu companheiro, David Harrad. De volta à capital, fundou o
Grupo Dignidade. Era 1992 ? o ano em que Toni Reis ?tirou o Paraná do
armário.?
Como você paga suas contas?
Casei com homem rico (risos). Estou brincando. Eu e o David temos uma
empresa de tradução e também faço consultoria e palestras na área da
sexualidade.
Quando descobriu que era gay?
Tinha 14 anos e não era escolhido para jogar futebol. Cheguei para minha
mãe e falei: ?Sou estranho, doente, pecador e sem-vergonha. Eu sou
gay.? Ela respondeu: ?Você realmente é sem-vergonha, pecador e doente?.
Me levou a um médico de Pato Branco para me curar. E estou aqui bem gay,
um líder gay. Foi uma situação complicada: sou do Sudoeste do Paraná,
uma região de gaúchos, de família conhecida. O doutor Antônio Freire me
falou: ?Essa é apenas uma variante da sua sexualidade e você vai ter que
ir para uma cidade grande, estudar para ser respeitado. Se for pobre e
ficar no interior será muito discriminado.?
Você queria ser padre...
Queria. Mas contei para o meu diretor espiritual que eu era gay. Ele
disse que eu não poderia ser padre. Um outro padre, o Sigismundo,
falou que o que eu sentia era doença e pediu para eu fazer novena para
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Quando contava para ele que eu tinha
desejos pelo Tony Ramos ele me mandava voltar para o primeiro dia da
novena. A novena virou uma quarentena.
Foi sua única tentativa?
Não. Me falaram de um pastor que curava de tudo. Fui lá e o pastor
falou: ?Aqui tem um cara com catarata, um com epilepsia e um guri com um
problema sério que eu não vou falar qual é. Mas vamos orar por ele.?
Fui a um terreiro e o pai de santo falou que eu tinha pomba-gira com
duas cabeças desgovernadas. Pensei no suicídio três vezes. Hoje, se
aparecer a cura, não quero me curar.
Você foi discriminado?
Me formei em Letras pela Universidade Federal do Paraná, participei
muito do movimento estudantil e fui presidente da Casa do Estudante
Universitário, a CEU. Fui candidato a presidente da casa e todo mundo
sabia que eu era gay. Nos debates, diziam: ?Não podemos ter um
homossexual presidente?. Foi muito triste.
Hoje, Toni Reis é recebido nos mais diversos segmentos da sociedade. Como você consegue?
Tenho que trabalhar, produzir, escrever e me articular. É preciso ter
uma causa e entendê-la. Agora, a minha causa é aliar a ALGBT com outros
movimentos. Daqui a dois anos eu me aposento da liderança nacional, mas
vou trabalhar com educação. A educação é a solução para muitos problemas
no Brasil.
Como é a relação com sua família?
Aos 14 anos, minha mãe me levou a um médico para me curar. E quando eu
tinha 27, ela se propôs a casar com o meu marido [para ele conseguir o
visto de permanência no Brasil]. Se minha mãe mudou, eu creio que a
sociedade também pode mudar.
Meus familiares me reconhecem. Fiz um curso superior, especialização,
mestrado e estou concluindo meu doutorado. Alguns aceitam e outros
respeitam. E uma das nossas grandes reivindicações é que as pessoas nos
respeitem. Aceitar é muito difícil.
Qual a sensação depois de ter oficializado sua união civil?
É bacana. Meu amor pelo David continua o mesmo. E agora temos a
documentação. Tem a questão do nosso patrimônio. Queremos filhos e
estamos no processo de adoção. Em breve vamos ter mais uma resposta. Se
perdermos, vamos recorrer.
O que emperra o debate LGBT no Brasil?
A questão religiosa e a heteronormatividade. Nós somos criados para ser
heterossexuais. Sabemos que 10% da população é homossexual. Se hoje
temos cerca de 1,8 milhão de habitantes em Curitiba, 180 mil são LGBTs.
Nossa criação, educação, as propagandas na televisão, as novelas,
tudo é feito para os heterossexuais. Inclusive, nós gays, lésbicas,
travestis, muitas vezes pensamos de uma maneira heteronormativa,
querendo copiar o mundo hétero. A outra questão é a religião. Na Idade
Média, éramos queimados na fogueira pela Santa Inquisição, depois fomos
tratados como criminosos e até o dia 17 de maio de 1990 a
homossexualidade era considerada uma doença. Ainda tem muito esse
rescaldo cultural de tratar a gente como pecador, como sem-vergonha,
fora da norma e doente.
Qual sua opinião sobre o kit anti-homofobia, que foi barrado pela presidente Dilma?
Nós queríamos fazer um trabalho com os professores, com um material
dirigido a eles. E a Dilma recebeu, pelo deputado federal Garotinho
(PR-RJ), uma série de materiais de prevenção à aids relacionado à
prostituição e drogas e colocou o kit do ?Escola sem homofobia? junto. A
Dilma viu aquilo e disse ?vamos suspender?. Agora, nós estamos em
diálogo com a presidência. Vamos ampliar o trabalho.
Qual a sua avaliação do governo da presidente Dilma em relação às ações LGBT?
No governo Lula tivemos um salto grande, pois ficamos na pressão e
cobrando dos ministérios. Hoje, nós temos um plano nacional LGBT e a
participação de 18 ministérios. A presidente Dilma está seguindo isso.
Teve o revés do kit, mas por pressão. Havia um contexto político. E foi a
presidente Dilma que falou que o Garotinho chantageou: ?Temos 80 votos.
Se não fizerem isso [barrar o kit], vamos fazer aquilo [assinar a
criação da CPI do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci]?. Aí, ela
suspendeu e agora vamos ampliar o kit. Do limão, a limonada.
Como você vê a influência da religião em questões políticas no Brasil?
Sinceramente, acho que as pessoas devem ter seus valores, mas religião
não dá para misturar com política. É inconstitucional ter uma frente
parlamentar evangélica. Isso não ajuda a democracia. É claro que quando
um evangélico é eleito, ele vai levar seus valores e pode votar com a
sua consciência. Mas nós não podemos tornar o Brasil uma teocracia.
Temos judeus, católicos, o pessoal de matriz africana e pessoas ateias,
que devem ser respeitadas.
Quanto a seus adversários políticos...
Eu converso com todo mundo. Talvez, a pessoa mais chata do Brasil seja o
Jair Bolsonaro (PP-RJ). Mas é uma pessoa que não tem credibilidade
nacional. Dentro do Congresso, ele já mandou o Fernando Henrique Cardoso
para o paredão para ser fuzilado.
Na última semana, a deputada estadual e atriz Myrian Rios comparou homossexuais a pedófilos. O que diz?
O novelista Walcyr Carrasco foi muito feliz ao falar que ela é burra,
embora não seja essa a minha opinião. Ela é uma mulher mal-informada.
Não quero ser moralista, mas se olhar para o passado dela não a
contrataria para ser a babá dos meus filhos. Espero que um dia ela venha
para a luz.
Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/entrevistas/um-homem-de-respeito-ave86vxctpeyntoqm60g8jwi6
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